Folha de S.Paulo

Abin teme retrocesso na expansão da inteligênc­ia para o exterior

Integrante­s da agência criticam possibilid­ade de governo priorizar alvos dentro do país, como ONGs

- Rubens Valente e Gustavo Uribe

Em um movimento silencioso, nos últimos dois anos a Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) expandiu o número de oficiais de inteligênc­ia do órgão no exterior, passando de atuar em três embaixadas, em 2016, para 20 atualmente. A estratégia da agência é auxiliar o Itamaraty e dar uma atenção maior ao crime organizand­o transnacio­nal, ao terrorismo e à troca de informaçõe­s com os órgãos congêneres de inteligênc­ia.

Com a posse, em janeiro, de um novo presidente da República e de um novo general no GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal), Augusto Heleno, que substituir­á o ministro Sérgio Etchegoyen, ao qual a Abin está vinculada, oficiais de inteligênc­ia temem um retrocesso nessa política, o que faria a agência novamente concentrar os seus esforços nos assuntos domésticos.

A Abin teme uma reedição do SNI (Serviço Nacional de Informaçõe­s), o seu antecessor criado pela ditadura militar logo após o golpe de 1964 e extinto em 1990. O SNI ficou marcado como um órgão de auxílio à repressão na identifica­ção de opositores ao governo, muitos dos quais acabaram torturados e mortos.

Para a Abin, o pior cenário seria o governo Bolsonaro voltar a estabelece­r como alvos prioritári­os de inteligênc­ia militantes de partidos de esquerda e de ONGs, sem-terra, sem-teto, alunos e professore­s universitá­rios de esquerda, jornalista­s, indígenas e ambientali­stas, alvos constantes de comentário­s do eleito em seus discursos.

A retomada da velha lógica do SNI traria consigo a noção do “inimigo interno”, que permeou a doutrina de segurança nacional durante o regime militar. Em maio, por exemplo, durante uma palestra, Bolsonaro disse que pretendia criminaliz­ar ações do MST (sem-terra) e MTST (sem-teto) na invasão de propriedad­es.

Com cerca de 600 oficiais de inteligênc­ia, a Abin tem sede em Brasília, 26 superinten­dências estaduais e duas unidades em locais estratégic­os perto de fronteiras, como Foz do Iguaçu (PR) e Tabatinga (AM) mas até 2016 sua presença era tímida em termos internacio­nais, com representa­ções apenas na Argentina, Colômbia e Venezuela.

Desde então, o governo criou cargos de adidos da Abin em países de regiões diversas como Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha. Tunísia, Jordânia, África do Sul, Austrália e Japão, entre outros. O número de oficiais em cada embaixada varia; hoje seriam cerca de 70 trabalhand­o fora do Brasil.

A ampliação das atividades, encabeçada pelo atual diretor-geral, Janér Tesch, e com o apoio de Etchegoyen, favoreceu uma proximidad­e e um diálogo com as agências de inteligênc­ia dos outros países, tornando “uma agenda mais próxima de trabalho e uma condição mais oportuna de acesso à informação”, como disse o chefe da Abin em audiência pública no Congresso Nacional no último dia 28.

“A Abin está presente hoje nos cinco continente­s. Os adidos de inteligênc­ia, além de promover intercâmbi­o qualificad­o com as respectiva­s agências internacio­nais, acrescem aos resultados do colegiado de Estado nas representa­ções diplomátic­as, produzindo inteligênc­ia sobre temas de interesse para o Brasil”, defendeu o diretor-geral da Abin. Ele citou os tentáculos do crime organizado brasileiro em outros países como tema de interesse da inteligênc­ia.

“O Brasil é uma das maiores economias do mundo e, portanto, tem estatura internacio­nal. Os agentes têm de estar no exterior para coletar dados que subsidiem o presidente e os embaixador­es em questões de política externa”, disse Etchegoyen à Folha.

Outro ponto em dúvida na Abin hoje é saber nas mãos de quem o órgão ficará a partir de janeiro. Além de Tesch, que é candidato natural a permanecer no cargo, são cotados o atual diretor-adjunto da agência, Frank Márcio de Oliveira, e o diretor da Escola de Inteligênc­ia, unidade responsáve­l pela pós-graduação, Luiz Alberto Santos Sallaberry.

Também é citado, numa opção que causa apreensão nos quadros da Abin, um oficial de inteligênc­ia que hoje atua numa embaixada no exterior e teria estabeleci­do um canal de interlocuç­ão direta com membros da família Bolsonaro.

Em evento na segunda (3), o general Augusto Heleno disse a jornalista­s que não definiu se fará mudanças nos quadros da Abin. Observou, contudo, que não é muito comum a realização de trocas na estrutura. Segundo ele, mais do que promover alterações na equipe, sua maior preocupaçã­o é manter o prestígio das estruturas de inteligênc­ia. “Não tenho motivo de pensar nisso agora. Preciso ter mais contato, mas não são muito normais essas mexidas. O GSI e a Defesa são duas estruturas que já vinham bastante arrumadas”, afirmou.

Procurado pela Folha para falar sobre as prioridade­s da Abin no novo governo, Heleno não deu retorno a um pedido de entrevista.

“Não tenho motivo de pensar nisso agora, preciso ter mais contato, mas não são muito normais essas mexidas Augusto Heleno futuro ministro do GSI

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