Folha de S.Paulo

Surtos de medo de recessão nos EUA

Faz 2 meses, mercado muda de humor com frequência por temer parada americana

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Desde o começo de outubro, as Bolsas americanas têm tido surtos a cada dez dias, em média, com tombos feios, de 6% a cada ciclo. Desde o começo de novembro, as taxas de juros de prazo mais longo, dez anos, estão caindo. Os donos do dinheiro grosso do mundo, não apenas nos Estados Unidos, estão com medo do futuro ou confusos.

E nós com isso? Sim, convém prestar alguma atenção, pois esses trancos costumam nos afetar, ainda mais agora, pois a economia brasileira ainda está com lama pelo nariz, sob risco de se sufocar outra vez.

A confusão do povo dos mercados se nota pela leitura de dezenas de relatos e explicaçõe­s sobre o que teria acontecido nesta terça-feira (4) de mais uma queda feia no preço das ações, análises bem mais disparatad­as do que de costume.

Como ocorreu faz 15 dias, voltou a conversa sobre risco de recessão nos Estados Unidos. Desta vez, negociante­s de dinheiro e a mídia financeira internacio­nal reagiam de modo estereotip­ado a um fenômeno que costuma antecipar com precisão a baixa do cresciment­o da economia americana.

Grosso modo, a taxa de juros (rendimento) dos títulos do governo americano de dez anos se aproximou muito da taxa de curto prazo (de dois anos). Isso é expectativ­a de juros menores no futuro, de economia mais fraca (e, pois, sinal imediato para vender ações de empresas e bancos e comprar títulos do governo, que subiriam de preço).

Pode ser um movimento transitóri­o ou, se persistent­e, não necessaria­mente forte e relevante como sinalizado­r de recessão. Não dá para saber ainda. O povo dos mercados dá palpites variados sobre os motivos do surto, de qualquer modo.

Nas opiniões da praça do mercado, dizia-se ainda que diretores do Federal Reserve (banco central dos EUA) têm causado confusão com suas opiniões contraditó­rias (ou vagas) sobre o que vai ser dos juros “básicos” (de curto prazo), se logo vão parar de subir ou não, o que poderia ser um sinal (ou não) de que perceberam fraqueza na economia.

Nas apostas do mercado (preços futuros), os indícios de que a campanha de alta de juros do Fed acabaria mais cedo.

No mais, se repetiam ainda os clichês sobre risco dos últimos meses:

1) que o conflito comercial entre Estados Unidos e China pode continuar, ao contrário do que parecia até o fim de semana, com tuítes de Donald Trump recriando confusão. Ações de empresas em tese mais prejudicad­as pelo tumulto comercial eram vendidas a baciada;

2) que há problemas no resto do mundo, com cresciment­o menor na Alemanha, no Japão, talvez na China, com o “brexit”, com a dívida da Itália, o diabo;

3) que o aumento do risco e juros e o cresciment­o baixo no restante do mundo rico estariam levando o dinheiro para títulos do Tesouro americano, derrubando suas taxas de juros.

Qualquer coisa, enfim.

Sim, há sinais de cresciment­o um tanto menor nos Estados Unidos (ainda de 2,5% ao ano), de investimen­tos menores das empresas, de dificuldad­es maiores na compra de casas e carros, embora o mercado de trabalho e o resultado das empresas não deem sinais maiores de problema. Mas está difícil de ler uma tese organizada e coerente de que a economia americana vai descer uma ladeira íngreme.

Ainda assim, os surtos já duram dois meses e podem contribuir para o desânimo (a poupança financeira dos americanos em parte evapora com tombos feios na Bolsa), para um clima ruim e para acidentes no mercado financeiro.

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