Folha de S.Paulo

‘MeToo gerou medo, mas nada mudou’, diz cantora

- Rafael Gregorio

Que Joss Stone não gosta de rótulos, já se sabe.

Desde o início da carreira, aos 13 anos, a cantora transita inquieta por gêneros, rasgando o invólucro de musa do novo soul com que foi vendida.

Nos últimos anos, Stone cantou reggae, rock e pop, e diz, meio brincando, que cogita um dia gravar uma ópera.

“É luta constante não ficar presa”, diz, avessa a conselhos de executivos de gravadoras para bajular o público: “Ignoroos; prefiro falar com músicos”.

Parece funcionar: nascida Joscelyn Eve Stoker, a inglesa já vendeu 14 milhões de cópias dos sete álbuns em sua discografi­a, marca expressiva para uma artista do pós-internet.

Veterana aos 31 anos e prestes a fazer mais um show em São Paulo, nesta quarta (5), Stone —que já cantou aqui ao menos sete vezes— foge do lugar-comum em outros temas.

Sobre a igualdade de gênero na indústria musical, por exemplo, ela abraça um misto de ceticismo e naturalism­o de assombrar feministas:

“Movimentos como o MeToo deixaram os homens com medo, mas tudo segue na mesma: há mulheres que recebem menos do que homens, e homens que recebem menos que mulheres. É a natureza.”

A opinião contraria preceitos segundo os quais uma mulher branca e dentro do padrão de beleza jamais deveria usar sua vivência como régua, mas a cantora dobra a aposta:

“A coisa que mais me irrita hoje é que as pessoas ficam superofend­idas por qualquer coisa. Isso bloqueia conversas sobre problemas sérios.”

Essa relativa indiferenç­a coletiva contrasta com o ativismo social, frequente na carreira de Stone desde 2004.

Naquele ano, ela participou do projeto Band Aid 20, no qual gravou uma canção com artistas como Paul McCartney em prol das vítimas da guerra civil no Sudão. Mais recentemen­te, dedicou-se a defender a limpeza dos oceanos e a eliminação de minas terrestres.

“Há diversos temas com os quais nos preocuparm­os”, diz. “Mas por que seria mais importante encontrar a cura da Aids do que água limpa na Índia? Não há uma balança. Você deve ir aonde acha que ajuda”, completa a artista, que fa- lou à Folha semanas antes de trazer pela segunda vez ao país sua “The Total World Tour”.

Na turnê, com repertório que une o disco mais recente, “Water for Your Soul” (2015), e hits como “You Had Me”, Stone se propôs a percorrer o mundo. Literalmen­te: desde 2014, ela já visitou mais de 150 destinos e espera chegar perto de 200 até o fim da viagem, em 2019 —há 193 países no mundo reconhecid­os pela ONU.

A abrangênci­a do projeto a fez ignorar alertas desencoraj­adores. “Fomos à Somália e foi incrível. Os locais mais temidos são os mais interessan­tes.”

E os quase cinco anos de viagens pesam de alguma forma?

“Às vezes sinto saudade de estar em casa tomando uma xícara de chá, mas não sofro.”

Firme na toada meio hippie, meio “deboísta”, Stone não quer saber de mimimi dos colegas, mesmo diante da ascensão de setores conservado­res e de discursos odiosos.

“Tudo o que um artista pode fazer é ser positivo. Uma canção não pode acabar com a fome, mas a positivida­de pode encorajar outras pessoas.”

Xô, baixo-astral: “Se minhas canções só dizem ‘Foda-se o mundo’, o que vou conseguir?”

Mas ela não se abala nem quando Donald Trump, o iracundo presidente dos EUA, diz que aqueciment­o é fake news? “Trump não vai ser presidente para sempre; outro idiota virá. Levante-se, plante uma flor, pegue uma criança no colo.”

Joss Stone

Tom Brasil - r. Bragança Paulista, 1.281, São Paulo. Qua. (5), às 21h30. Ingr.: R$ 170 a R$ 620, pelo site ingressora­pido.com.br. 16 anos.

“Hoje os homens têm medo de punição, mas tudo segue igual: há mulheres que recebem menos que homens, e homens que ganham menos; é a natureza Joss Stone cantora

 ?? Vanessa Carvalho - 11.mar.15/Brazil Photo Press ?? Joss Stone durante show em SP
Vanessa Carvalho - 11.mar.15/Brazil Photo Press Joss Stone durante show em SP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil