Truncada, peça se arrasta em diálogos enormes
‘Jornada de um Imbecil’, de Plínio Marcos, faz de personagens palhaços, mas alegoria parece dissociada do poder crítico
TEATRO Jornada de um Imbecil até o Entendimento ***** CCSP, r. Vergueiro, 1.000. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h. Até 16/12. Ingr.: R$ 30. 14 anos Há 50 anos estreava no Rio a primeira montagem de “Jornada de um Imbecil até o Entendimento”, de Plínio Marcos. O espetáculo do Grupo Opinião foi dirigido por João das Neves, que viveu toda a sua vida buscando um sentido de resistência para o teatro.
A montagem atual com direção de Helio Cicero começa com uma homenagem ao antigo diretor do Opinião, morto em agosto. O elenco entra cantando “Silêncio no Bexiga”, de Geraldo Filme. A canção é um réquiem sobre a morte de Pato Nágua, antológico mestre de bateria da Vai-Vai e uma das primeiras vítimas do grupo de extermínio da polícia paulista chamado Esquadrão da Morte. Isso em 1969, pouco após a promulgação do AI-5.
Como um lamento, a palavra “silêncio” fecha a canção e dá início ao espetáculo. O luto pela morte de João das Neves é, ao mesmo tempo, a lembrança doída da violência praticada na ditadura militar.
Em tempos de apagamento e reescrita do passado, é um gesto importante e que merece destaque. Além de ser uma bela forma de conexão com a memória e com a obra de Plínio, sempre atento aos excluídos. Em contrapartida, o empenho pela homenagem beira a reverência. De modo que a montagem acaba por subscrever problemas da peça.
“Jornada de um Imbecil” é um texto que foge ao tratamento naturalista recorrente na dramaturgia do autor. Com inspiração tropicalista, a peça se esforça em apresentar uma alegoria sobre o capitalismo periférico que vá além do retrato da tragédia social.
Mas a peça não possui aquela objetividade cirúrgica que caracteriza suas mais famosas obras, como “Navalha na carne” e “Dois Perdidos numa Noite Suja”. “Jornada” se arrasta em diálogos enormes descolados das situações que os originam, a trama é truncada e repleta de comentários óbvios, displicência crítica e desordem estrutural.
O espetáculo atual segue o tratamento dado por Plínio e faz das personagens palhaços. Mas o excesso de conversação atravanca o jogo popular circense e este, quando funciona melhor, parece dissociado do poder crítico da alegoria.
Apesar de algumas inserções curiosas, como o coro de jovens vestidos em trajes de gala ou o referencial cenográfico inspirado em Banksy, o resultado é acanhado, reverbera os limites da peça e, sobretudo, esforça-se pouco em tentar inscrever o debate nas circunstâncias atuais.
O importante gesto de olhar com atenção e respeito ao passado torna-se um memorialismo sem brilho próprio.