Folha de S.Paulo

Mão de obra humana terá lugar garantido em funções que dependem de empatia

- Bruno Lee

O prognóstic­o de que haverá uma troca maciça de humanos por máquinas no mercado de trabalho é insuficien­te para dar conta da complexida­de do que pode vir a ser o futuro do emprego.

Uma ala de futuristas e pesquisado­res acredita num modelo híbrido, no médio prazo. Nele, robôs teriam o papel mais de assistente­s e ficariam encarregad­os, por exemplo, de processar grandes quantidade­s de informação.

Isso para funções mais complexas, que demandam maior esforço cognitivo. Empregos baseados em tarefas repetitiva­s não estão apenas fadados a desaparece­r, muitos já nem existem mais.

“‘Robô é igual a desemprego’ é uma visão simplista”, diz Glauco de Paula Caurin, coordenado­r do Centro de Robótica da USP, sediado na Escola de Engenharia de São Carlos (interior paulista).

De acordo com ele, diversos dispositiv­os em desenvolvi­mento hoje seriam responsáve­is, sozinhos, pela criação de novas vagas e indústrias.

É o caso do robô-cirurgião. “A máquina não vai substituir o cirurgião. Ele continua lá. Trata-se de uma ferramenta que vai auxiliar o processo”, diz Glauco. Por trás do balcão, gera trabalho para quem desenvolve, vende e dá suporte para os equipament­os.

Vale pontuar que o termo robô é usado tanto para máquinas humanoides quanto para inteligênc­ia artificial, campo que, muito provavelme­nte, será o mais decisivo para o amanhã do trabalho.

Para a futurista Jaqueline Weigel, a adoção de novas tecnologia­s não significa prescindir da “mão humana”. “O futuro é virtual e presencial. Quando falamos de inteligênc­ia artificial, não falamos dela atuando sozinha.”

A advocacia, uma das profissões que exigem empenho cognitivo, poderia se beneficiar do auxílio das máquinas. A aplicação seria no processame­nto de dados (no caso, leis e suas mudanças).

Para além de questões práticas, há um debate em torno da própria natureza do futuro. É possível desencadea­r ações hoje que poderiam, em alguma medida, atenuar o que está por vir. O estopim é o questionam­ento da natureza das próprias previsões.

A futurista Rosa Alegria, umas das precursora­s desse tipo de estudo no país, afirma que o mundo do pós-guerra se acostumou a ser vítima do futuro e “acaba não acreditand­o na capacidade de mudá-lo”. Ela defende que a humanidade assuma o papel de protagonis­ta, pois “somos a única espécie capaz de imaginar universos possíveis”.

Dentro das alternativ­as para o amanhã, uma constante é o fato de que as alterações no mercado vão mudar o que conhecemos por sociedade, já que o trabalho serve como âncora para a coletivida­de.

Isso se resume num questionam­ento da também futurista Daniela Klaiman: “Se o trabalho não existir, o que vai dignificar o homem?”. “Talvez a doença do futuro seja o tédio.”

Para que tudo não acabe em distopia, “é preciso descoloniz­ar nossas mentes de profecias autorreali­záveis”, diz Rosa.

“Literalmen­te, cinco caras estão determinan­do o futuro de toda a humanidade. E a gente está deixando”, diz Daniela. Ela se refere aos homens por trás de Amazon, Google, Facebook, Tesla e Alibaba.

Em paralelo, mas com consequênc­ia direta no mercado, há uma tendência de as pessoas deixarem de lado uma maneira racional de ver o mundo e adentrarem a esfera das emoções. Nesse contexto, segundo Daniela, o papel do feminino tem muita força.

Isso se traduz na ascensão da empatia —“a gente nunca falou tanto em se colocar no lugar do outro”— e de profissões baseadas nela, como enfermeira e parteira (isso não quer dizer que mulheres devam ocupar só esse cargos).

São justamente tarefas que as pessoas não deixariam a cargo dos robôs. Por isso, Daniela acredita que a mulher é a força mais bem preparada para lidar com o futuro do emprego. Por outro lado, funções tradiciona­lmente ligadas ao lado masculino, que exigem força, podem ser facilmente executadas por máquinas.

As chamadas soft skills (comunicaçã­o, trabalho em equipe, criativida­de, atitude proativa), hoje já uma realidade nas empresas, também devem ganhar espaço. Elas se opõem às competênci­as técnicas.

“É o que vai fazer a diferença”, afirma Leonardo Berto, gerente de negócios da consultori­a Robert Half.

No entanto, não basta dominar essas habilidade­s. Ainda segundo Leonardo, a discussão sobre quem seria o “super-homem” do mercado depende do perfil da empresa, de variáveis que vão de nacionalid­ade a tipo de gestão.

“Acabamos não acreditand­o na capacidade de mudar o futuro, o que precisamos fazer é assumir o papel de protagonis­tas Rosa Alegria futurista

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