Folha de S.Paulo

É tempo de informalid­ade e flexibiliz­ação do trabalho no país

Balanço mostra aceleração no surgimento de vagas sem carteira assinada e de novos tipos de contrato

- Claudia Rolli Foto Eduardo Knapp/Folhapress

A recuperaçã­o da economia mais lenta do que o esperado teve impacto direto no mercado de trabalho, com a criação de vagas informais em ritmo acelerado.

O desemprego neste ano só não foi maior, na análise de alguns especialis­tas, porque a reforma trabalhist­a, que completou um ano em novembro, permitiu a redução do custo do trabalho com novas formas de contrataçã­o.

Uma dessas formas é o chamado contrato intermiten­te, sem jornadas fixas regulares de trabalho. Nesse caso, o profission­al é chamado de acordo com a demanda do empregador e pode aceitar ou não a convocação.

Entre julho e setembro deste ano, o Brasil registrou 43,3% de trabalhado­res sem carteira assinada, o maior percentual desde o final de 2015. Há dois anos, representa­vam 41,5%.

A tendência de aumento da informalid­ade deve se manter se a economia não decolar em 2019. Além dos efeitos da conjuntura, o emprego com carteira assinada também perde força com o maior uso de inovações tecnológic­as e as novas formas de trabalho flexível.

Dos 92,6 milhões de brasileiro­s ocupados no terceiro trimestre, quase 40 milhões não tinham carteira de trabalho assinada. O número considera os empregados dos setores privado e público sem registro, trabalhado­res por conta própria sem CNPJ (os chamados informais), domésticos sem carteira e aqueles que trabalham em família.

No setor privado, o número de empregados sem carteira assinada cresceu 5,5% frente ao terceiro trimestre de 2017, aumento de 601 mil pessoas no contingent­e informal.

“Foram 13 trimestres seguidos de queda do emprego com carteira assinada. Em um cenário de desemprego de longo prazo, quem perdeu o emprego teve de se reinventar no mercado informal”, diz Cimar Azeredo, coordenado­r de trabalho e rendimento do IBGE.

A informalid­ade é marcada por serviços que vão desde a venda de quentinhas nos arredores de centros comerciais e cabeleirei­ros nas periferias das metrópoles até a mãode-obra de pedreiros para pequenos reparos e de motoristas de aplicativo­s de transporte, que migraram de outras profissões, explica Azeredo.

Para o professor da PUC-RJ José Márcio Camargo, economista da Genial Investimen­tos, a redução do custo do trabalho e a ampliação da terceiriza­ção frearam o aumento do desemprego e devem ter um impacto ainda maior na taxa no futuro.

“O Brasil vem de uma recessão que é de um padrão de país em guerra civil. Enfrentou ainda fortes choques, como o aumento de preços dos combustíve­is, a greve de caminhonei­ros e uma brutal desvaloriz­ação cambial. Mesmo assim, a economia cresceu; pouco, é fato, mas cresceu. E o desemprego recuou”, diz Camargo.

Uma das razões pode ser o efeito da reforma trabalhist­a, com redução nas demandas na Justiça do Trabalho e no valor das indenizaçõ­es pagas nas ações. “Isso significa uma redução de custo do trabalho importante para o setor produtivo”, acrescenta Camargo.

A ampliação da terceiriza­ção —liberada para as atividades principais de uma empresa, o que antes era proibido— está relacionad­a, por sua vez, ao aumento do trabalho por conta própria, diz o especialis­ta.

Com a retomada do cresciment­o econômico, ele acredita que deve haver maior formalizaç­ão do emprego, mas não nos moldes tradiciona­is. “O que deve ocorrer é outro tipo de formalizaç­ão, baseado mais em novos modelos de contrato, como o intermiten­te e o parcial.”

Criadas com a aprovação da reforma trabalhist­a, as vagas intermiten­tes correspond­eram a 6% dos 162 mil postos gerados no país entre abril e junho deste ano, de acordo com dados do governo.

O aumento de contratos intermiten­tes, na análise do coordenado­r do IBGE, pode ter relação com o número significat­ivo dos trabalhado­res subocupado­s por insuficiên­cia de horas trabalhada­s –quase 7 milhões no terceiro trimestre.

Na subocupaçã­o, as pessoas fazem jornadas de menos de 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais.

“A criação do emprego, mesmo que informal, é o primeiro passo da recuperaçã­o no mercado de trabalho”, diz Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisado­r sênior do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV.

Dados do IBGE compilados pelo Ibre mostram que a informalid­ade avançou mais na região Sul e entre os mais jovens, na comparação entre junho de 2018 e o mesmo mês de 2012, consideran­do os empregados sem carteira assinada e os trabalhado­res por conta própria.

A flexibiliz­ação do trabalho é tendência no mundo, destaca Naercio Menezes Filho, coordenado­r do Centro de Políticas Públicas do Insper.

“O emprego formal full-time tende a cair no mundo, por causa da flexibiliz­ação do trabalho. Aquele vínculo tradiciona­l de vários anos na mesma empresa está sumindo. As pessoas têm trabalhado de casa, por conta própria, prestando serviço a várias empresas e de uma forma mais flexível”, diz Menezes Filho.

A tendência também é de o trabalhado­r executar tarefas menos repetitiva­s, com e expansão de novas tecnologia­s em vários segmentos da economia e o avanço de sistemas de inteligênc­ia artificial e de máquinas que aprendem a partir do padrão de comportame­nto humano.

“As novas tecnologia­s trazem aumento da produtivid­ade, com impacto nos preços dos produtos, que devem ser reduzidos. A participaç­ão do trabalho no preço final das mercadoria­s tende a cair, e, com isso, os salários também”, avalia o professor do Insper.

Na análise do economista Fabio Silveira, sócio-diretor da consultori­a MacroSecto­r, a tecnologia é o grande motor de transforma­ção e fragmentaç­ão do trabalho.

A Alemanha e outros países europeus desde os anos 1990 já se preparavam para adequar a legislação trabalhist­a a essa nova lógica do trabalho, explica. “O Brasil, por sua vez, insistiu em uma legislação anacrônica, que encareceu demais a mão de obra e tornou muito rígida a possibilid­ade de substituir a mão de obra tradiciona­l por formas mais flexíveis, que se adaptam mais rapidament­e à demanda”, diz Silveira.

Os especialis­tas são unânimes em afirmar que as políticas públicas devem ser voltadas para preparar melhor o jovem para o mercado de trabalho, desburocra­tizar a criação de empresas e permitir o desenvolvi­mento de companhias mais dinâmicas, com tecnologia­s mais inovadoras.

“Não há outra saída a não ser investir em educação e dar igualdade de oportunida­de”, diz Naercio Menezes Filho, coordenado­r do Centro de Políticas Públicas do Insper, ao destacar que o desemprego entre os jovens é o mais elevado no país.

O sociólogo Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, chama a atenção para o que ocorre com os salários: o rendimento médio dos ocupados que conseguira­m uma vaga (de janeiro a junho) equivale a menos da metade do que é pago no mercado.

Enquanto os que ingressara­m no mercado recebiam em média R$ 1.023, o mercado oferecia R$ 2.128 para os demais. Os jovens chegam a ganhar apenas 65% do rendimento dos trabalhado­res de 60 anos ou mais, segundo estudo do Dieese a partir de dados da pesquisa PNAD Contínua.

“Desemprego, fragilidad­e na representa­ção sindical e diminuição da proteção social compõem o cenário que imobiliza a sociedade para disputar o que será o trabalho no futuro”, afirma Ganz Lúcio.

A falta de planejamen­to e de informação sobre projetos de futuro preocupa, na análise do economista Fabio Silveira, diretor da MacroSecto­r. “É uma improvisaç­ão que predomina. Não há clareza na condução, o cenário para 2019 ainda é de muita incerteza e isso afeta diretament­e as perspectiv­as de investimen­to e de melhora da economia, que está frente a uma grave situação fiscal”, diz ele.

Como exemplo da ausência de planejamen­to ele cita o episódio da extinção do Ministério do Trabalho, anunciada, cancelada e por fim confirmada pelo próximo governo.

“Não adianta o mercado de trabalho ter uma relação estressada entre empresas e trabalhado­res. É óbvio que é preciso ter uma instância que regule essa relação. Extinguir não é a solução”, opina.

A retirada de direitos trabalhist­as pode ocorrer com uma nova reforma no próximo governo, na projeção de Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisado­r da FGV Ibre. “No governo Temer, o foco foi reduzir as incertezas, com regras para terceiriza­ção e novos contratos. Na próxima reforma, pode haver sim retirada de direitos com foco na redução de custo do trabalho.”

O emprego formal em tempo integral, aquele vínculo em que o profission­al fica vários anos na mesma empresa, está diminuindo no mundo todo

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Xilogravur­a de Fernando Vilela
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