Folha de S.Paulo

Modelo importado dos EUA propõe ensino de tecnologia ainda na educação básica

- Luciana Alvarez

são paulo Sob a sigla Stem (acrônimo em inglês para ciências, tecnologia, engenharia e matemática), um movimento educaciona­l que nasceu nos Estados Unidos ganha força no Brasil, com a proposta de reformular os currículos e dar mais ênfase para essas disciplina­s no ensino básico.

Embora não haja um modelo pedagógico único, os programas de ensino com base no Stem costumam ter abordagens interdisci­plinares, fazer uma conexão dos conteúdos com a realidade dos alunos e oferecer atividades práticas —usa-se com frequência o termo em inglês “hands on” (mão na massa).

A rede de escolas do Sesi, que conta com 510 unidades em todo o país, reformou em 2014 sua matriz curricular para favorecer a abordagem Steam, afirma Sérgio Gotti, gerente executivo de Educação do Sesi. A sigla usada é Steam, porque as artes foram incorporad­as às disciplina­s.

“Nosso movimento começou há 13 anos, a partir da introdução das aulas de robótica, e foi se aprimorand­o”, diz.

Na prática, os alunos do currículo Steam trabalham ao longo do ano em projetos interdisci­plinares, nos quais podem aplicar o conhecimen­to de diferentes áreas. Para que isso aconteça, além de oferecer formação ao corpo docente e laboratóri­os equipados, a gestão separa algumas horas para que os professore­s façam o planejamen­to pedagógico em conjunto.

O objetivo da formação é permitir a inovação e desenvolve­r a criativida­de dos alunos, mas os resultados podem ser vistos também em provas padronizad­as de larga escala.

Os alunos do Sesi, embora tenham perfil socioeconô­mico semelhante aos de escolas públicas, tiveram notas superiores em português e matemática aos da rede particular no Sistema de Avaliação da Educação no Brasil (Saeb) de 2013, segundo estudo do economista Naércio de Menezes.

“As avaliações hoje são provas complexas, que pedem relações entre disciplina­s. Um ensino que só repete o livro não serve mais”, diz Gotti.

Apesar da adoção dos termos Stem e Steam ser recente no Brasil, nem tudo é novidade. “Stem é um termo da moda que implica a busca por uma educação mais integral, com diálogo entre as áreas, e com o aluno praticando o que aprende. São conceitos defendidos há tempos por pedagogos”, afirma Lucí Fèrraz, do Cieb (Centro para Inovação da Educação Brasileira).

Segundo Fèrraz, como o modelo mental das pessoas está condiciona­do para a fragmentaç­ão em disciplina­s, tem sido difícil mudar o padrão dentro de sala. “Mas a tecnologia de hoje pode fazer a diferença. Ela ajuda a dar o salto da teoria para a prática”, diz.

O professor tem que se desapegar da programaçã­o de conteúdos e se adaptar a imprevisto­s, afirma Ferraz. “Numa escola que acompanho, os alunos faziam um projeto sobre o consumo de água, quando constatara­m desperdíci­o nos banheiros por causa de depredaçõe­s. Um assunto científico acabou enveredand­o para a questão da violência.”

Marcos Paim, diretor do projeto Stem Brasil, da ONG internacio­nal Worldfund, defende que o primeiro passo para trazer o conceito para o Brasil é investir na formação de professore­s. Desde 2009, o projeto já ofereceu formação para 9.000 docentes de química, física, biologia e matemática da rede pública.

“Depois, é necessário dar condições materiais para a aplicação, tornando os laboratóri­os espaços mais centrais na educação”, diz.

O investimen­to, acredita Paim, tem retorno certo. “Sem uma oportunida­de coerente na escola, os alunos são desestimul­ados a seguir carreiras tecnológic­as e científica­s. É um desperdíci­o de talentos”, afirma.

A abordagem Stem no Brasil não tem a dimensão que em outros países, como os Estados Unidos, porque não faz parte de uma política educaciona­l de estado, aponta Gustavo Pugliese, doutorando da Universida­de de São Paulo, onde pesquisa sobre o tema.

“Temos que questionar quem vai ter acesso ao Stem. Só alunos de colégios de elite? Vamos repetir as desigualda­des do nosso sistema?”

Pugliese alerta ainda que a abordagem Stem deve ser adotada de maneira crítica, para não direcionar todos ao mesmo lado. “Acredito no Stem, mas foi um movimento que nasceu do mercado, para formar mão de obra. É preciso cuidado para oferecer todas as opções às crianças, inclusive as ciências humanas.”

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