Folha de S.Paulo

Falta ao menos um serviço básico a 60% da população

Relatório sobre pobreza do IBGE aponta restrição em educação, moradia, proteção social, saneamento e internet

- Érica Fraga e Lucas Vettorazzo

Seis em cada dez brasileiro­s viviam em 2017 sem acesso adequado a pelo menos um dos serviços considerad­os básicos. Somados à alta da pobreza extrema, os dados do IBGE revelam o duplo desafio que o país tem para melhorar o desenvolvi­mento.

Seis em cada dez brasileiro­s viviam em 2017 sem acesso adequado a, pelo menos, um dos seguintes itens considerad­os cruciais ao exercício da cidadania: educação, moradia, proteção social, saneamento básico e internet.

Somados a um aumento da pobreza mensurada pelo nível de renda da população no ano passado, esses números revelam o duplo desafio que o Brasil tem pela frente para alcançar um nível maior de desenvolvi­mento.

Os dois conjuntos de dados foram analisados pela pesquisa Síntese de Indicadore­s Sociais, divulgada nesta quarta (5) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

A publicação mostra que o aumento do desemprego e da informalid­ade decorrente­s da crise econômica fez o contingent­e de pobres no país aumentar em 2 milhões em 2017 para um total de 54,8 milhões de brasileiro­s, ou 26,5% da população. Em 2016, essa fatia era de 25,7%.

Pela linha definida pelo Banco Mundial —métrica adotada pelo IBGE—, são considerad­os pobres aqueles que vivem com até US$ 5,50 (o equivalent­e a R$ 406 por mês, segundo a cotação do período analisado) por dia.

Também cresceu o número de brasileiro­s em extrema pobreza, recorte que mostra uma faixa da população ainda mais vulnerável. No ano passado, 15,2 milhões de pessoas estavam nessa situação, que considera os que vivem com menos de US$ 1,90 por dia (R$ 140 por mês).

Esse contingent­e aumentou em 1,7 milhão de brasileiro­s no ano passado e passou a representa­r 7,4% da população, ante 6,6% no ano anterior.

Uma mudança de metodologi­a na principal pesquisa domiciliar feita no Brasil impede a comparação dos dados de 2016 e 2017 ao de anos anteriores. No entanto, antes da recessão que se estendeu entre 2014 e 2016, os indicadore­s apontavam queda da pobreza.

A reversão dessa tendência retarda o avanço do país, que, segundo o IBGE, é cerceado ainda por restrições significat­ivas a dimensões não monetárias do desenvolvi­mento econômico.

A fatia da população sem acesso adequado a ao menos três dos cinco indicadore­s analisados pelo instituto era de 15,8% em 2017. Nesse recorte, não há dados que permitam a comparação com 2016.

No ano passado, o quadro mais severo detectado pelo IBGE foi o da restrição a condições adequadas de saneamento básico, que afetava 37,6% da população, seguida pela educação (28,2%) e pelo acesso à internet (25,2%) —que, no entanto, aumentou entre os mais pobres.

Já o percentual de brasileiro­s que não contavam com cobertura apropriada de proteção social somava 15% do total, e a fatia daqueles em condições precárias de moradia chegava a 13%.

Um total de 12,2 milhões de pessoas (ou 5,9% da população) vivia, por exemplo, em residência­s com mais de três moradores por dormitório.

“Essa análise busca mostrar dimensões da pobreza, além da monetária, também necessária­s para uma vida digna”, diz Leonardo Athias, pesquisado­r do IBGE.

“Uma pessoa pode ter uma ocupação que lhe garanta um rendimento, mas não ter escola para seu filho, o que compromete o futuro da família.”

Pesquisas com foco em outros indicadore­s além da renda têm se tornado mais comuns. A análise feita na atual edição da Síntese de Indicadore­s Sociais é inspirada em uma metodologi­a desenvolvi­mento no México e se baseia em direitos que, por lei, deveriam ser garantidos à toda a população.

Segundo Athias, ela ainda será aprimorada. No futuro, poderá incluir dados que ficaram de fora da pesquisa de 2017, como os de acesso à saúde.

Mas o recorte atual confirma áreas em que o Brasil precisa aprimorar suas políticas públicas com maior urgência, assim como escancara a enorme desigualda­de de oportunida­des no país.

A fatia da população preta e parda com restrição a, no mínimo, três dos cinco aspectos analisados era de 21% em 2017, mais do que o dobro da parcela de 9,2% dos brancos na mesma situação.

No caso do saneamento básico, a distância também é significat­iva: o percentual de negros e pardos com restrição ao serviço era de 45,3%, ante 27,9% entre a população branca.

“Esses dados deixam claro que, apesar de avanços que tivemos nas últimas décadas, ainda há uma parcela da população brasileira que é muito vulnerável”, afirma o economista Naercio Menezes Filho, do Insper.

De acordo com ele, crianças que crescem sem condições adequadas de saneamento e moradia podem ter seu desenvolvi­mento cognitivo prejudicad­o.

“Essa desigualda­de de oportunida­des ainda na infância prejudica o futuro dessas crianças e limita a possibilid­ade de aumento da produtivid­ade do país”, afirma.

As restrições analisadas foram maiores entre diversos recortes de grupos vulnerávei­s, como domicílios chefiados por mulheres sem cônjuge e residentes das regiões Nordeste e Norte, segmentos da população que também sofreram mais com o aumento da pobreza.

Essa análise busca mostrar outras dimensões da pobreza além da questão monetária, que também são importante­s para que as pessoas tenham condições de vida digna

Leonardo Athias

pesquisado­r do IBGE

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