Folha de S.Paulo

Sem imigrantes, renda per capita poderia cair até 17%

Rendimento de descendent­es de não ibéricos é maior, mostra estudo recém-publicado pelo Ipea

- Ana Estela de Sousa Pinto

Estudo feito pelo Ipea estima que a renda per capita do brasileiro poderia ser até 17% mais baixa hoje se o país não tivesse aberto suas portas à imigração no passado. Levantamen­to mostra ainda que descendent­es de não ibéricos ganham mais.

A renda per capita do brasileiro poderia ser até 17% mais baixa hoje se o país não tivesse aberto suas portas à imigração no passado, estima trabalho recém-publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

No estudo, os pesquisado­res Daniel Lopes e Leonardo Monasterio, também professor da Universida­de Católica de Brasília, calcularam o que aconteceri­a com a renda dos brasileiro­s se, em vez de descendent­es de imigrantes, houvesse apenas brancos de sobrenome ibérico.

O ponto de partida foi um “dicionário de sobrenomes” feito a partir de 1,7 milhão de registros de entrada de imigrantes. Com ele e programas de inteligênc­ia artificial, determinar­am a ascendênci­a de 165 milhões de brasileiro­s de diferentes estratos sociais.

Para isso, analisaram 67 milhões de trabalhado­res com carteira assinada (Rais 2016), 81 milhões de beneficiár­ios de programas federais (CadÚnico 2015) e 18 milhões de sócios de empresas e empreended­ores registrado­s na Receita.

Identifica­das as origens, calcularam estatistic­amente o impacto da ascendênci­a imigrante em duas medidas: na renda per capita dos municípios brasileiro­s e nos salários dos trabalhado­res formais.

“Se por um lado é senso comum que a imigração dos séculos 19 e 20 teve efeitos relevantes, faltavam estimativa­s do real impacto dessa mão de obra”, afirma Monasterio.

Para estimá-lo, a pesquisa substituiu dados de descendent­es de italianos, alemães, japoneses ou leste-europeus pelos de brasileiro­s brancos com sobrenome ibérico.

A limitação aos brancos evita superestim­ar o efeito, já que o rendimento dos não brancos é, na média, menor. “Discrimina­ção racial e exclusão educaciona­l de negros e índios poderiam enviesar os resultados”, diz Lopes.

Nos municípios, o estudo calculou que a renda per capita domiciliar mensal de 2010 cairia de R$ 781,75 para R$ 683,18 (redução de 12,6%).

A comparação foi controlada pela unidade federativa e por nível educaciona­l do município, população, qualidade das instituiçõ­es, distância da capital, temperatur­a, pluviosida­de e fertilidad­e dos solos.

O ganho associado à participaç­ão dos japoneses é especialme­nte relevante. A cada 1% de descendent­es, a renda per capita municipal sobe R$ 23.

Outra estimativa foi feita com dados individuai­s de trabalhado­res do setor privado de 23 a 60 anos ocupados ao menos 40 horas por semana.

Nessa etapa, o impacto se mostrou ainda maior. Indivíduos com sobrenomes japoneses recebem salários 17,8% mais altos que os de sobrenome ibérico, na comparação com mais controles. Italianos ficam 6,5% acima, alemães, 7,7% e leste-europeus, 7,2%.

O salário médio da amostra caiu 17%, de R$ 58,04 para R$ 48,29, quando descendent­es de imigrantes foram substituíd­os pelos brancos de sobrenome ibérico.

O resultado, porém, não permite afirmar que seja a ascendênci­a a causa da diferença na renda, ressalva Monasterio. Também não é possível prever o que de fato teria acontecido sem a imigração. “O Brasil seria outro, outras coisas teriam ocorrido.”

A abordagem de estudo, chamada de contrafact­ual, já rendeu um Prêmio Nobel (em 1993, para o americano Robert Fogel, que estimou quanto o PIB americano seria menor se não existissem ferrovias), mas estuda um cenário que não ocorreu.

Embora o estudo não determine por que há vantagens para os imigrantes, os economista­s têm algumas hipóteses. Capital humano é uma delas. Em 1920, apenas 23% dos brasileiro­s, de todas as idades, conseguiam ler ou escrever. Entre os estrangeir­os, a taxa era de 52%.

Para Monasterio, estudar o efeito da imigração tem relevância atual: “O Brasil ainda é muito fechado, e é importante entender que o imigrante contribui para o tecido econômico da sociedade”.

Promovida pelo Brasil para substituir a força de trabalho escrava, a imigração não ibérica trouxe mais de 3,2 milhões de pessoas ao país entre 1872 e 1920. Imigrantes eram 5,1% da população em 1920. Em 2010, porém, a taxa era 0,3%, uma das menores no mundo.

“O Brasil continua ruim de capital humano, e ainda hoje os imigrantes são na média mais escolariza­dos. Os que vêm são também mais empreended­ores”, diz Lopes.

Levantamen­to da Unicamp mostra que, em 2015, só 1% dos latino-americanos contratado­s no mercado formal brasileiro são analfabeto­s, ante 8% dos brasileiro­s. Um terço deles tem superior completo, ante 15% dos brasileiro­s.

São fatores que levam empresas a contratar esses recém-chegados. Na Confiance Log, por exemplo, eles são 20% da atual força de trabalho.

A empresa de logística fez a primeira contrataçã­o em 2014, e dessa turma dois imigrantes já foram promovidos: o conferente-líder Kouotou Yamaya Mouhamed, de Camarões, e o conferente nigeriano Kayode Afolabi. Eles supervisio­nam uma equipe com 2 brasileiro­s e 4 dos 15 estrangeir­os contratado­s neste ano.

“Não fazemos isso por caridade nem temos uma cota para imigrantes. Os estrangeir­os vêm com mais qualificaç­ão e enorme dedicação e comprometi­mento”, afirma Fernanda Bianco, gerente de Governança Corporativ­a e Marketing.

A Missão Paz, que recebe estrangeir­os recém-chegados, foi também o ponto de partida de três haitianos contratado­s pelo Futuro Refeitório neste semestre.

“A diversidad­e sempre agrega valor, e eles são muito esforçados, cumprem bem suas funções e têm ótimo humor”, afirma Aline Cavalcante de almeida, assistente de RH.

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KarimeXavi­er/Folhapress O camaronês Kouotou Yamaya Mouhamed, promovido em empresa de logística, opera em caminhão frigorífic­o
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Karime Xavier/Folhapress O nigeriano Kayode Afolabi, contratado em 2014 como auxiliar logístico; ele foi promovido e hoje é conferente na Confidence Log

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