Folha de S.Paulo

Fatia mínima

Bolsonaro afirma que pretende negociar reforma da Previdênci­a em etapas; mudança inicial não será justa sem incluir redução de privilégio­s de servidor

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Sobre ideia de reformar a Previdênci­a em etapas.

Um exercício básico de realismo político indica que as deficiênci­as e iniquidade­s do sistema previdenci­ário brasileiro, amplas e arraigadas, não se resolverão com uma reforma única e redentora.

Certamente haverá necessidad­e de negociaçõe­s legislativ­as, sempre difíceis, e ajustes sucessivos nas regras das aposentado­rias nos próximos anos. Mudanças vêm ocorrendo, aliás, nas últimas duas décadas —é, fato, porém, que a situação orçamentár­ia atual demanda medidas mais urgentes e profundas.

Convém, pois, não precipitar uma polêmica vazia em torno da intenção manifestad­a pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de encaminhar ao Congresso o redesenho da Previdênci­a de forma fatiada, isto é, em etapas.

Interessa saber, primeiro, qual o alcance do texto a ser defendido já nos primeiros meses de 2019, quando o emprego correto do capital político recém-conquistad­o nas urnas se mostrará decisivo para a construção de um ambiente econômico mais favorável.

Sobre isso, há apenas declaraçõe­s vagas. Bolsonaro disse pretender começar pela idade mínima e pelo combate a privilégio­s. Se isso significa aproveitar o essencial do projeto de reforma apresentad­o pelo governo Michel Temer (MDB), estamos diante de um ponto de partida minimament­e aceitável.

A proposta estabelece que homens só podem se aposentar a partir dos 65 anos, e mulheres, dos 62. Mas isso ao longo de uma transição de duas décadas —de imediato, seriam exigidos apenas 55 e 53 anos, respectiva­mente.

No entanto a mudança será incompleta, e sobretudo injusta, se não houver avanço relevante para eliminar as disparidad­es entre os regimes dos servidores públicos, muito mais generosos, e o dos celetistas (a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social).

Conforme estudo do economista Paulo Tafner, o INSS pagava a cerca de 32 milhões um benefício médio de R$ 1.300 mensais em 2016; no funcionali­smo civil federal, pouco mais de 680 mil pessoas recebiam, em média, R$ 7.716. No primeiro caso, as contribuiç­ões dos segurados bancam 29,5% das despesas; no segundo, apenas 16,8%.

A coragem de enfrentar as categorias estatais será vital não apenas para o governo Bolsonaro, mas para os 27 governador­es que assumem em 1º de janeiro. Restará ainda, cumpre recordar, a imprescind­ível reforma do regime previdenci­ário dos militares, sem dúvida um teste para um político de longa e destacada atuação corporativ­ista.

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Fonte: Estudo de Paulo Tafner

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