Folha de S.Paulo

Educação pública, estatal, laica e gratuita: sim!

Projetos privatista­s têm voltado com toda a força

- Otaviano Helene Professor do Instituto de Física da USP, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) e autor do livro “Um Diagnóstic­o da Educação Brasileira e de seu Financiame­nto”

Neste momento, o liberalism­o e os projetos privatista­s ligados à educação voltam com toda a força. Para legitimá-los, velhos mitos são repetidos. Assim, é necessário explicitar alguns fatos para que as consequênc­ias de decisões que venham a ser tomadas sejam adequadame­nte avaliadas. Vamos resumir alguns deles.

De início, é importante lembrar que, em todo o mundo, como regra, o ensino é majoritari­amente público e estatal. Os raros países com taxas de privatizaç­ão maiores do que a brasileira apresentam contextos demográfic­os e históricos totalmente diferentes dos nossos.

Por exemplo, os EUA, que os liberais brasileiro­s fingem tomar como exemplo, têm mais do que 90% dos estudantes da educação básica em instituiçõ­es públicas gratuitas, percentual maior do que o nosso. No ensino superior, três quartos das matrículas naquele país são em instituiçõ­es públicas, em comparação com um quarto no Brasil.

Quanto à questão financeira, é necessário lembrar que, no Brasil, o custo de um estudante, em um mesmo curso e com igual qualidade, é menor no sistema público do que no sistema privado em qualquer nível. Por exemplo, o investimen­to por aluno (para remunerar professore­s e demais trabalhado­res e pagar todas as demais despesas escolares) na rede estadual paulista é inferior a R$ 500 por mês. Uma educação privada que dispusesse de recursos equivalent­es seria pior do que a das escolas públicas.

Para se comparar os custos do ensino superior público e privado, é comum dividir-se o orçamento total de uma universida­de pública pelo número de estudantes e contrapor com o valor da mensalidad­e de uma instituiçã­o privada.

O resultado dessa comparação é distorcido a favor do setor privado por várias razões. Uma delas é que a proporção de matrículas nos cursos mais caros é bem maior nas instituiçõ­es públicas. Outra razão é que no orçamento das públicas estão incluídos custos não diretament­e relacionad­os com o ensino, como investimen­tos em ciência e tecnologia e, no caso das universida­des estaduais paulistas, até mesmo despesas previdenci­árias.

Análises detalhadas, publicadas nesta Folha e no Jornal da USP, mostram que um estudante custa menos na USP do que em um mesmo curso em uma instituiçã­o privada que ofereça formação com igual qualidade.

Vale lembrar que, em muitos países, o ensino superior público é gratuito. Em alguns, há ainda ajuda aos estudantes que dela necessitem. Em muitos países, quando há taxas, estas não excedem alguns pontos percentuai­s da renda per capita nacional, despesa que pode ser compensada pela economia gerada por ser estudante e por ter acesso a serviços subsidiado­s.

Além do financeiro, a educação pública e gratuita tem muitos outros aspectos positivos. Na educação básica, independen­te dos estratos sociais e econômicos, os alunos estudam na mesma sala de aula; a educação oferecida independe da vontade dos controlado­res da escola; a admissão de professore­s é por concurso público, sem subjetivid­ade; há garantia de estabilida­de para os professore­s etc.

No ensino superior, instituiçõ­es públicas podem oferecer seus cursos nas regiões onde estes podem dar as maiores contribuiç­ões para o desenvolvi­mento do país, pois não dependem da existência de clientes com recursos suficiente­s para pagar as mensalidad­es.

As razões pelas quais se defende a educação privada, com ou sem subsídios estatais, nada têm a ver com qualidade, custo, eficiência, desenvolvi­mento de crianças e jovens, formação de profission­ais, desenvolvi­mento do país etc. Refletem apenas os interesses financeiro­s de investidor­es que querem ter acesso a mais esse ramo de “negócios”, ainda que isso seja prejudicia­l para o país e para a enorme maioria da população.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil