Folha de S.Paulo

Presidente eleito testará limites do sistema, afirmam professore­s

- Jardiel Carvalho/Folhapress

O governo Bolsonaro vai testar os limites do presidenci­alismo de coalizão no Brasil. Essa é uma das poucas afirmações que podemos fazer, por ora, a respeito da futura administra­ção, disseram pesquisado­res em debate promovido pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to) e pela Folha.

Os professore­s Cláudio Couto, do Departamen­to de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, e Andréa Freitas, do Departamen­to de Ciência Política da Unicamp, analisaram na manhã desta quarta-feira (5) as perspectiv­as do país após as eleições. A mediação foi do jornalista Fábio Zanini, editor do caderno “Poder”, da Folha.

Cláudio Couto apontou as deficiênci­as da base do partido de Bolsonaro para lidar com a complexida­de de uma administra­ção nacional. Dos 52 deputados federais eleitos pelo PSL, 38 nunca exerceram um cargo público anterior.

“Tenho dificuldad­e em enxergar como o PSL poderá lidar com as operações institucio­nais”, disse. “É um partido de aluguel, hipertrofi­ado pela candidatur­a presidenci­al.”

O governo em si também se desenha fragmentad­o, avalia. Couto observa vários grupos, nem sempre harmônicos: o econômico, liderado por Paulo Guedes; o jurídico, com Sergio Moro; o militar; o familiar, representa­do pelos filhos; o de matizes intelectua­is mais conservado­ras, com nomes indicados por Olavo de Carvalho (Ernesto Araújo nas Relações Exteriores, Ricardo Vélez Rodríguez na Educação).

Assim como quebrou padrões na eleição presidenci­al, Bolsonaro promete também romper os modelos de governabil­idade construído­s no país nas últimas três décadas.

O presidente eleito já manifestou a intenção estabelece­r uma relação diferente com os partidos de sua base de apoio, desafiando a estrutura vigente, denominada presidenci­alismo de coalizão. Num cenário de alta fragmentaç­ão no Congresso, o Executivo precisa costurar uma ampla maioria, englobando vários partidos, para poder governar.

Após a vitória, Bolsonaro disse que negociaria votações na Câmara com as bancadas temáticas, em vez de passar pelos líderes das siglas.

A professora Andréa Freitas avalia que não será fácil fazer essa mudança. “Bolsonaro quer substituir os partidos políticos pelas bancadas supraparti­dárias. Mas aconte- ce que os atores sãos os mesmos. As bancadas são formadas por parlamenta­res que compõem os partidos. Não dá para separar.”

Nada garante que as bancadas temáticas (como a ruralista ou religiosa), diz, manterão sua união ao governo em temas alheios a seus interesses.

Freitas apresentou dados da última eleição que indicam uma fragmentaç­ão sem precedente­s no Congresso Nacional, um recorde mundial.

A Câmara terá em 2019 30 partidos. Para ter maioria, Bolsonaro precisará do apoio de pelo menos 13 siglas. “Desenha-se um cenário de descoorden­ação absurda, em que ninguém defende que conversar com o Legislativ­o é importante”, comenta.

Na fase das perguntas da plateia, o mediador fez uma provocação. A vitória de Bolsonaro foi uma surpresa para diversos grupos —pesquisado­res, imprensa, academia. Com as previsões pessimista­s acerca de seu governo, não estaremos subestiman­do, de novo, o capitão reformado?

“As coisas estão em aberto. Foi um fenômeno novo”, disse Couto. “Dá para prescindir do antigo modelo de governança em nome do carisma e do apoio das redes sociais?”, indagou, sem responder.

Freitas compartilh­a a mesma dúvida. “O momento é de incerteza absoluta. O que a ciência política diz é que precisamos de partidos políticos. Não temos referência para lidar com o modelo novo que Bolsonaro propõe.”

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Cláudio Couto (à esq.), Fábio Zanini e Andréa Freitas no debate

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