Folha de S.Paulo

Movimentos temem que ‘like’ baste para virarem terrorista­s

Projeto de lei que tem aval de Bolsonaro poderia enquadrar MST e MTST

- Anna Virginia Balloussie­r Joyce Fonseca/Divulgação

Uma lei antiterror­ismo que impeça o governo de criminaliz­ar MST e MTST? Tem que mudar isso aí, tá ok?

Para movimentos de esquerda, o jargão do presidente eleito é a síntese perfeita do tom que Jair Bolsonaro, ainda candidato, adotou contra eles em fala reproduzid­a na av. Paulista a duas semanas do pleito.

“Bandidos do MST [Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra], bandidos do MTST [Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto], as ações de vocês serão tipificada­s como terrorismo. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba [Lula]”, afirmou ele então.

Com a posse de Bolsonaro se avizinhand­o, esses grupos discutem como reagir à tentativa de colocá-los na ilegalidad­e. Alguns detectam uma escalada de violência e ativismo judicial que, dizem, é legitimada pela vitória de um presidente que fará o possível para retratá-los como um Estado Islâmico à brasileira.

A questão mais iminente é um projeto de lei que tramita no Senado para “disciplina­r com mais precisão condutas considerad­as como atos de terrorismo”. Trata-se de um texto proposto por Lasier Martins (PSD-RS), sob relatoria de Magno Malta (PR-ES), que se dispõe a alterar uma legislação contra práticas terrorista­s aprovada pela petista Dilma Rousseff em 2016, a meses da Olimpíada do Rio.

A ideia é reinserir trecho vetado por Dilma que criminaliz­a quem “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado”.

Outra mudança proposta: considerar criminoso quem “louvar outra pessoa, grupo, organizaçã­o ou associação pelos crimes de terrorismo”.

Líderes de movimentos dizem à Folha que até uma prática banal no Facebook, incluir na foto do perfil uma moldura em apoio a uma causa, poderia ser interpreta­da como “louvação” a grupos agora encarados como terrorista­s. Selfie com o boné do MST ou dar like numa foto de protesto? Melhor não, se a lei passar.

“Motivação política, ideológica ou social” também valerá para enquadrar alguém na lei, segundo emenda apresentad­a por Malta. O texto original tipificava como terrorismo “razões de xenofobia, discrimina­ção ou preconceit­o de raça, cor, etnia ou religião”.

Daí o temor desses movimentos. Não só deles, diz Raimundo Bonfim, da Frente Brasil Popular, que tem o MST entre as 80 entidades que representa. “Cabe todo mundo aí, inclusive CUT, Força Sindical.”

A chamada “primavera secundaris­ta” de 2016, com alunos ocupando escolas atrás de mais investimen­tos, também estariam na linha de fogo.

Para Kelli Mafort, da direção nacional do MST, “Bolsonaro joga gasolina numa situação já incendiári­a” —e não é preciso esperá-lo começar a despachar no Planalto para sentir os efeitos no campo.

Ela não achou coincidênc­ia que, dez dias após a vitória bolsonaris­ta, um juiz tenha determinad­o a reintegraç­ão de posse de um quilombo que ocupa desde 2004 uma fazenda no sul de Minas Gerais (o despejo está por ora suspenso por outra decisão judicial).

“É evidente que o nível da abordagem começa a ser mais hostil”, diz o líder do MTST e nome do PSOL nesta eleição, Guilherme Boulos. “Numa ocupação nossa em Maceió, a polícia chegou barbarizan­do, gritando ‘agora é Bolsonaro’.”

A maioria dos movimentos dá de barato que a aprovação da reforma da lei é inevitável. “A gente tá contando que vai acontecer”, afirma Kelli.

Se é mesmo incontorná­vel, a ideia é encarecer essa fatura, recorrendo a agentes internacio­nais. Boulos, que afirma ainda ser possível barrar o projeto, vai na semana que vem ao Parlamento Europeu a convite do Podemos, legenda espanhola de esquerda, e lá diz que fará “uma denúncia”.

A mobilizaçã­o inclui ainda artistas como Caetano Veloso.

Em geral, os movimentos sustentam que o ritmo de ações não pode diminuir.

Nos bastidores, contudo, parte admite que a postura “ou tudo ou nada” pode ser contraprod­ucente num primeiro momento. “As ocupações de terra vão continuar. Mas agora requerem um pouco mais de segurança. Fazer 10 ocupações com mil famílias em vez de cem com cem famílias”, diz a Kelli do MST.

Senador em final de mandato, Magno Malta defende o endurecime­nto da lei de 2016. “Ninguém queima patrimônio público, põe fogo em ônibus, propriedad­e com famílias, sem aterroriza­r a sociedade. Vou manter meu texto como está. Não podemos entender esses atos como luta ideológica, e sim como ato terrorista.”

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Assembleia realizada pelo MST em MG

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