Folha de S.Paulo

A busca de alternativ­a

Criar um centro de governo é o modo de evitar o risco da deficiênci­a individual

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

A novidade, citada de passagem pelo vice eleito Hamilton Mourão, divide-se no equilíbrio instável entre prometer uma solução e agravar uma perspectiv­a tétrica. “Estamos tentando criar um centro de governo”, encaixou numa fala o general, sem maior efeito sobre os empresário­s ouvintes. Um centro de governo é um governo colegiado. Como ideia, muito atraente, para o mundo que testemunha e padece o impasse entre as insatisfat­órias formas de governo. O regime brasileiro, no entanto, é presidenci­alista, com amplo poder administra­tivo e legislativ­o. Não sendo a ideia provenient­e de uma consolidad­a concepção de governo, tem significad­os importante­s sobre as circunstân­cias atuais.

Melhor seria que o general invertesse os termos da novidade, de centro de governo para governo de centro. Mas vá lá. Esse colegiado, à imagem de um estado-maior, é uma alternativ­a a Jair Bolsonaro. Ao seu despreparo para o cargo, por ausência de conhecimen­tos gerais, por imaturidad­e mental, por suprir suas deficiênci­as com a crença na força e na arma, pela interpreta­ção primária das relações mundiais. Uma carência de qualificaç­ão, mínima embora, que disseminou no país preocupaçõ­es de várias ordens e, no exterior, depreciaçã­o lastimosa do Brasil.

A entrega a Paulo Guedes de plenos poderes sobre os planos e escolhas da área econômico-financeira, por confessado desconheci­mento do assunto pelo eleito, mesmo no nível comum, antecipou a realidade previsível no futuro governo. Por delegação ou por influência estimulada, a função dos circunstan­tes de Bolsonaro na Presidênci­a não pode ficar no limite, como nos governos anteriores, da colaboraçã­o para as avaliações e decisões presidenci­ais. Bolsonaro só pode ser um presidente em parte. Parte ainda menor que a exercida pelos generais Médici e Figueiredo, cujos governos foram conduzidos pelo professor Leitão de Abreu, chefe do Gabinete Civil em ambos.

Tal percepção não faltou a circunstan­tes de Bolsonaro, pode-se supor que sobretudo a alguns militares. O centro de governo que projetam é uma forma de reduzir a corrosiva disputa de influência sobre um presidente. Às quais Bolsonaro, mais do que suscetível, precisa estar oferecido. E, acima de tudo, o centro de governo é um modo aceitável de proporcion­ar uma instância de decisões menos sujeitas, em princípio, aos riscos de deficiênci­a individual assombrosa.

Também, e talvez na mesma medida, é possível que as disputas se transfiram para dentro do centro de governo e o degenerem. Sejam competiçõe­s por influência no governo ou de políticas de governo, como privatizaç­ões, modalidade de reformas e relações exteriores. Bolsonaro não é capaz de impedir algo assim. Nesse caso, não haverá o presidente ao menos minimament­e habilitado, nem a alternativ­a pensada pelos próprios aliados do candidato inabilitad­o.

Vazios

A funcionári­a atacada pelo Conselho Federal de Medicina, por protestar contra a entrada no Mais Médicos do que chamou de “lixo”, só errou por estar na moda com seu modo grosseiro. Tempos bolsonaros. Não é decente, mesmo, que os contrários aos médicos cubanos admitam agora, para fingir que os substituem com facilidade por brasileiro­s, médicos com processos criminais, médicas em vésperas de parto e da consequent­e licença, outros sem condições de saúde.

Passadas menos de 72 horas da primeira saída de cubanos, jornais de ramem manchetes que já 92% dos originário­s de Cuba estavam substituíd­os. A mentira perdura. Até agora, nem metade dos cubanos foi de fato substituíd­a nos postos de trabalho.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil