Folha de S.Paulo

Governo e partido sem escola

IBGE mostra a desigualda­de escolar no país de paranoias taradas com a educação

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Quase um terço dos jovens brasileiro­s de 15 a 17 anos não cursa o ensino médio na idade adequada —estão “atrasados”, diz a Síntese de Indicadore­s Sociais do IBGE, divulgada nesta quarta-feira (5).

É muito. É pior se o adolescent­e não tem dinheiro. No quinto mais pobre da população, a taxa de atraso passa de 45%. No quinto mais rico, é de menos de 10%. No país em que os futuros governante­s dizem sandices de gente típica de partidos sem escola, convém ressaltar essas estatístic­as.

No Brasil, a educação pré-escolar é obrigatóri­a para crianças de 4 e 5 anos desde 2009. Quase 92% delas estão matriculad­as. No caso apenas daquelas de 4 anos, são cerca de 87%, distante da universali­zação, mas muito longe de ser um desastre quantitati­vo, pois a média é de 88% na OCDE.

A Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico é um grupo de três dúzias de países de renda alta ou média-alta, comprometi­dos com normas de governança chamadas de “neoliberai­s” pela esquerda e de “globalista­s” pelos aiatolás do bolsonaris­mo.

Como seria previsível no caso brasileiro, as crianças pequenas mais pobres vão menos à escola. Estão mais sujeitas às adversidad­es causadas pela falta de estudos dos pais, por ambientes em que ficam mais sujeitas a violências físicas e psicológic­as e por falta de recursos rudimentar­es, como água limpa, comida saudável e livros ou equivalent­es, o que vai prejudicar seu desempenho futuro na escola e na vida.

Nas casas em que pelo menos um morador foi à universida­de, 62% das crianças de até cinco anos estão em creche adequada ou escola; no caso das residência­s em que o nível de ensino não passa do fundamenta­l, a proporção cai para 47%. No quinto mais rico da população, 67% das crianças pequenas vão à escola. No quinto mais pobre, 46%. É uma fábrica de desigualda­de, que prejudicar­á a justiça social e a economia por décadas.

Entre os tantos estudiosos que afirmam tais coisas está James Heckman, economista, Nobel, que passou a vida dando aulas na Universida­de de Chicago, onde se doutorou Paulo Guedes, o überminist­ro da Economia de Jair Bolsonaro.

Quem sobrevive a uma primeira infância largada à selvageria brasileira, não é assassinad­o e consegue terminar o ensino médio em uma escola pública, mesmo sendo mãe adolescent­e ou obrigado a trabalhar, terá provavelme­nte estigmas duradouros (ainda pior se for pardo ou preto). Apenas 36% dos secundaris­tas de escola pública vão para o ensino superior, ante 79% daqueles que cursaram escola privada.

Gente da nova ordem brasileira esnoba o ensino superior por vários motivos e difunde malandra ou estupidame­nte a ideia de que “nem todo o mundo precisa ou quer ir” para a universida­de. Seria um argumento razoável se não fosse conversa de post de rede social, sem contexto.

Entre as pessoas com idade entre 25 e 34 anos, menos de 20% completara­m o ensino superior no Brasil. Nos países da OCDE (que inclui Portugal, Grécia, México, Chile, Turquia, Arábia Saudita etc.), quase 37%.

No Brasil, quem fez faculdade ganha 2,5 vezes o salário médio de quem fez ensino médio; na OCDE, 1,6 vez. Como resume o relatório do IBGE: “Essa diferença ... é uma caracterís­tica comum de sociedades extremamen­te desiguais e a principal maneira pela qual as pessoas dos estratos mais elevados mantêm seus filhos em posições no topo da hierarquia ocupaciona­l”.

Aqui, é uma questão de berço. Ou de falta de creche.

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