Caso mostra falhas de apuração pelo Brasil
Em março deste ano, a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes se juntaram às mais de 60 mil pessoas assassinadas anualmente no país. Agora, perigam entrar em outra estatística: a dos muitos casos que não chegam à Justiça.
Os nove meses de investigação ainda sem conclusão jogam luz sobre a baixa elucidação de mortes violentas no país. Diferentes estudos calculam que 2 a cada 10 casos geram denúncias, embora não haja dados oficiais e a variação seja grande entre os estados.
As razões são muitas. De um lado, estão as já conhecidas dificuldades estruturais das polícias Civil e Técnico-científica, como escassez de profissionais, materiais e treinamento, muitas vezes pela priorização dos investimentos no policiamento das ruas.
Na prática, isso atrasa a chegada dos agentes na área do crime, prejudica a obtenção de informações essenciais logo no início, precariza os trabalhos de perícia e faz investigadores atuarem em vários casos simultaneamente.
Do outro lado, está o modo como as apurações são feitas —dependem prioritariamente de provas testemunhais, não técnicas. “A perícia tende a confirmar a materialidade, mas não apontar a autoria, iluminando ‘o que ocorreu, mas não quem matou’”, resume um relatório de 2017 do Instituto Sou da Paz.
Soma-se a isso a falta de articulação entre os próprios funcionários da Polícia Civil e da corporação com o Ministério Público, que é quem decide se denuncia o suspeito apontado no inquérito.
Segundo a socióloga Ludmila Ribeiro, da UFMG (Universidade Federal de Minas), o caso Marielle traz características que normalmente reduzem a menos da metade as chances de elucidação, como ter sido cometido num espaço público e com arma de fogo, sem flagrante.
“Por outro lado, o crime tem características específicas que em tese deveriam facilitar o esclarecimento, como imagens de câmeras, identificação do carro, pessoas que passavam”, afirma. “Mas estatisticamente é muito difícil um caso sobreviver depois de seis meses de investigação.”
Em 2013, a socióloga da mediu o tempo entre a abertura e o fechamento de inquéritos que geraram denúncias em cinco capitais. O caso Marielle ainda está dentro da média calculada, de um ano e dois meses, mas está longe de grande parte dos casos, finalizados em quatro meses.