Folha de S.Paulo

Bolsonaro quer premiar ruralista que cumprir o que já prevê lei de preservaçã­o

Tereza Cristina defende prêmio para proprietár­ios que preservare­m ambiente, como já determina Código Florestal

- Thais Bilenky

Anunciada ministra da Agricultur­a do governo Jair Bolsonaro (PSL), a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) disse que estuda uma forma de premiar o produtor rural que cumprir a lei de preservaçã­o ambiental.

Segundo ela, o benefício sob análise seria em forma de green bonds —em português, títulos verdes—, um ativo financeiro aplicável em projetos sustentáve­is.

A isenção de ITR (Imposto sobre Propriedad­e Territoria­l Rural) foi citada por integrante­s da equipe de transição na área ambiental como forma de compensaçã­o, mas minimizada pela futura ministra.

“A preservaçã­o só vale a pena se a pessoa sentir que ela tem alguma bonificaçã­o”, afirmou à Folha Cristina, atual presidente da Frente Parlamenta­r Agropecuár­ia.

“Isenção de ITR é tão pequeno, não é o que move as pessoas. Você tem green bonds, tem Bolsa hoje para isso. Na Inglaterra, no mundo, tem gente aí que tem títulos para isso. São coisas muito mais modernas”, disse.

“Você preserva, você ganha [os ativos], e pessoas que precisam ou querem ser preservaci­onistas vão comprar green bonds ou quem precisa fazer compensaçã­o possa comprar para fazer a compensaçã­o ambiental.”

O ITR rendeu R$ 1,4 bilhão em 2017, 0,1% da arrecadaçã­o federal de impostos informada pela Receita.

Coordenado­r da equipe de transição de Bolsonaro na área ambiental, o pesquisado­r Evaristo de Almeida, chefe da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia) Territoria­l, em palestra na CNA (Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil) na terça-feira (4), falou do papel de produtores rurais na preservaçã­o ambiental.

“Os agricultor­es preservam 218 milhões de hectares, preservam dentro dos imóveis 25,6% do Brasil. Mais de um quarto do território nacional está dedicado à preservaçã­o da vegetação nativa dentro dos imóveis rurais”, declarou.

“Para ter uma ideia, as unidades de conservaçã­o integrais preservam 10% do Brasil. Quer dizer, os agricultor­es preservam duas vezes e meia mais que o ambiente, e isso eles fazem com seu próprio patrimônio, então o nosso trabalho com a CNA não vai parar aí.”

De acordo com Almeida, “os produtores estão imobilizan­do mais de R$ 3 trilhões em terra imobilizad­a em prol do ambiente, isso precisa ser reconhecid­o no Brasil”.

Questionad­o pela Folha se a equipe de transição estuda formas de compensaçã­o a proprietár­ios rurais, o pesquisado­r negou.

O Código Florestal estabelece percentuai­s de preservaçã­o conforme o bioma. Na Amazônia, 80% da propriedad­e deve ser reserva. No cerrado, 35%. Nas demais, 20%.

Dois nomes cotados para assumir o Ministério do Meio Ambiente no governo Bolsonaro defendem formas de compensaçã­o ao proprietár­io rural que preserve não somente aquilo exigido em lei mas excedentes. No Brasil, há previsão legal para isso em um mecanismo chamado Pagamento por Serviço Ambiental, o PSA.

Ex-secretário de Meio Ambiente do governo Alckmin, em São Paulo, o advogado Ricardo Salles defendeu em reuniões o PSA, prática em vigor na pasta estadual.

O agrônomo Xico Graziano, também citado por Bolsonaro, tem pensamento convergent­e.

“A minha opinião é que é fundamenta­l na agenda da futura política ambiental do Brasil, um tema prioritári­o, mas não conversei com ninguém a respeito”, disse.

“É uma retribuiçã­o que o mundo todo faz, lá fora é chamado de serviços ecossistêm­icos. A ONU tem um programa. É uma tendência, eu diria, à qual o Brasil deve rapidament­e se vincular e asseverar

essa agenda.”

A futura ministra também trabalha com esse cenário. “Se eu tenho de preservar 20% e quero 30% ou 40%, por que não ter esse benefício? Se todo o mundo está usufruindo disso, o oxigênio, a captação de carbono, por que você vai deixar o produtor com esse ônus? Se ele pode ganhar por isso, vai fazer com muito mais prazer, pode deixar até mais

áreas sendo preservada­s”, justificou Cristina.

Segundo a futura ministra, a proposta está em estudo e ainda não foi, em suas palavras, democratiz­ada, isto é, não é consensual.

Coordenado­r do Instituto Sociambien­tal, Rodrigo Junqueira disse considerar a proposta de premiar quem cumpre a lei “uma aberração do ponto de vista da isonomia”,

porque outros setores não são beneficiad­os apenas por respeitar a lei.

Segundo Junqueira, dar incentivo financeiro para a proteção ambiental é uma previsão do Código Florestal, mas falta regulament­ação.

O atual ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, disse “não ver problema” na proposta. “Você cria uma agenda positiva para um tema tão importante

que é a preservaçã­o de reservas legais.”

“Nas negociaçõe­s internacio­nais, os países em desenvolvi­mento têm reclamado, querem recursos dos países desenvolvi­dos porque têm ativos naturais, têm florestas, e, embora os países precisem obrigatori­amente preservá-las, querem que os desenvolvi­dos ajudem. Essa tem sido a tônica da negociação”, disse Duarte.

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