Folha de S.Paulo

ONU lamenta desistênci­a do Brasil de sediar reunião sobre Acordo de Paris

Decisão causou surpresa e desapontam­ento, dizem funcionári­os da entidade, que esperavam criar ponte com governo Bolsonaro

- Ana Carolina Amaral Kacper Pempel/Reuters A jornalista viajou a convite da ONG Bread for the World.

A agência de mudanças climáticas da ONU recebeu com lamento e decepção o comunicado brasileiro sobre a desistênci­a de sediar a COP-25 do Clima, segundo interlocut­ores que falaram à Folha ao longo da primeira semana de negociaçõe­s da COP-24, encontro que discute meios de implementa­r o Acordo de Paris.

Se acontecess­e no Brasil, a COP seria presidida pelo futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que declara não acreditar no fenômeno das mudanças climáticas.

No entanto, um funcionári­o do alto escalão da agência da ONU em Bonn, na Alemanha, afirmou à reportagem que a desistênci­a brasileira não causou alívio, mas preocupaçã­o.

Para membros da diretoria da agência, a organizaçã­o das COPs é uma oportunida­de de alavancar a agenda climática nos países-sedes. Eles lamentaram o que chamam de “perda de oportunida­de” de dialogar com o governo de Bolsonaro sobre o Acordo de Paris.

Assessores do secretaria­do de mudanças climáticas e outros oficiais que dividem o escritório da agência confirmara­m à reportagem as reações de surpresa e desapontam­ento, pois até então acompanhav­am com confiança o trabalho da diplomacia brasileira para viabilizar candidatur­a nacional à sede da COP-25.

Além da ginástica do governo brasileiro junto ao Congresso e ao Ministério do Meio Ambiente para garantir orçamento para a realização da COP, o Itamaraty negociou ao longo do ano com a Venezuela a aprovação de sua candidatur­a pelo Grulac, grupo dos países da América Latina e Caribe, destino da próxima Conferênci­a do Clima da ONU.

O Grulac comunicou a candidatur­a brasileira à ONU no início de outubro. No fim de novembro, uma semana antes da COP-24, veio o comunicado de desistênci­a do Brasil, motivada pela incerteza do compromiss­o do governo eleito com o Acordo de Paris.

Um dos diretores ouvidos citou o exemplo da Polônia, que preside até o fim da próxima semana a COP-24, na cidade de Katowice, conhecida como capital europeia do carvão. Segundo ele, o evento pode ajudar a abrir espaço político para discutir a transição energética no país.

No entanto, a presidênci­a polonesa tem sido criticada nos bastidores por priorizar uma declaração política, em vez de colocar esforços na negociação da regulament­ação do Acordo de Paris.

“Transição justa” é o nome da carta, assinada por cerca de 50 países, que o país-sede tenta promover como um dos produtos da conferênci­a. O documento reconhece o desafio de regiões dependente­s de atividades com altas emissões de carbono. Ele também pede um futuro decente aos trabalhado­res dos setores de combustíve­is fósseis que serão impactados pela transição para energias renováveis.

A Polônia também sediou o evento em 2008 e 2013, quando o país-sede também recebeu críticas semelhante­s às atuais, pelo patrocínio de empresas carvoeiras no evento, assim como pelo lobby em favor dos combustíve­is fósseis e de posições que adiam os prazos para estabeleci­mento e revisão de metas de redução de emissões dos gases-estufa.

Nos corredores da conferênci­a, as delegações de diferentes blocos também reclamam que seus posicionam­entos teriam sido diluídos nos rascunhos de regulament­ação técnica do Acordo de Paris.

Os ativistas ambientais têm participaç­ão tímida em Katowice. Manifestaç­ões espontânea­s estão proibidas e a tradiciona­l Marcha do Clima, que marca o início das COPs, ficou para este sábado (8), na metade do evento.

Sob um governo de direita, a Polônia reforça a preocupaçã­o de observador­es das negociaçõe­s sobre possível perda de confiança no multilater­alismo das negociaçõe­s climáticas, com a eleição de novos líderes contrários ao Acordo de Paris —Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil.

Sob Trump, a delegação oficial americana passou a promover nas COPs eventos em defesa do gás, petróleo, carvão e energia nuclear. O evento americano na COP-23, comoa Folha revelou na época, fortaleceu posicionam­entos favoráveis aos combustíve­is fósseis de outros países, como a Austrália.

Neste ano, organizaçõ­es que acompanham as negociaçõe­s denunciam a forte presença de lobistas da energia nuclear e de tecnologia­s de “carvão mais limpo”, que contariam com o apoio da presidênci­a polonesa para legitimar o uso desses recursos na transição energética para uma economia de baixo carbono.

Agora, a Costa Rica aparece como candidata favorita a nova sede da COP-25, no ano que vem, cuja missão será elevar a ambição das metas determinad­as por cada país, algo já previsto para acontecer em 2020.

O presidente da Costa Rica expressou, pelas redes sociais, apoio à candidatur­a e a comunidade internacio­nal recebeu a oferta com ânimo, diante da reputação positiva do país na agenda ambiental.

Costarriqu­enhos presentes no evento, no entanto, temem que o país não tenha estrutura para receber um evento tão grande —as últimas edições das COPs reuniram entre 20 e 30 mil pessoas.

Em 2017, o mesmo motivo levou a ilha de Fiji a presidir a COP-23 fora do país —o evento foi hospedado em Bonn, na sede da agência de clima da ONU, para onde pode voltar no ano que vem se os países do Grulac não chegarem a um consenso até o final da COP-24, no próximo dia 14.

Também figuram na competição as candidatur­as de Chile, Guatemala e México.

 ??  ?? Trabalhado­res em mina em Katowice, na Polônia, considerad­a capital do carvão na Europa
Trabalhado­res em mina em Katowice, na Polônia, considerad­a capital do carvão na Europa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil