Folha de S.Paulo

Ricardo P. de Barros Diante da crise, alta da pobreza em 2017 foi pequena

Brasil chegou ao limite de fazer política social sem que haja uma economia saudável por trás, afirma especialis­ta em desigualda­de

- Érica Fraga

Para uma recessão tão severa como a vivida pelo país, o aumento da pobreza em 2017 foi pequeno e deve ser comemorado, segundo o economista Ricardo Paes de Barros, estudioso da desigualda­de social.

O IBGE mostrou que a parcela de baixa renda passou de 25,7% para 26,5% da população. “Foi um pequeno aumento, mas muito concentrad­o naqueles que são muito pobres.”

Diante da severidade da recessão dos últimos anos, o aumento da pobreza ocorrido no Brasil em 2017 foi, surpreende­ntemente, pequeno, um fato que precisa ser celebrado.

A opinião é do pesquisado­r Ricardo Paes de Barros, conhecido como PB, que se tornou referência por seus estudos sobre desigualda­de de renda e educação no país.

“Diante de uma crise dessa magnitude, você ter menos de um ponto percentual de aumento da pobreza é algo para um país celebrar”, disse ele, que é economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.

A análise se referia a dados divulgados na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a). Segundo o órgão, o contingent­e de pobres no país aumentou de 25,7% para 26,5% da população entre 2016 e 2017. No mesmo período, a extrema pobreza, que afetava 6,6% dos brasileiro­s, passou a atingir 7,4% do total.

Pela linha definida pelo Banco Mundial —métrica adotada pelo IBGE—, são classifica­dos como pobres os que vivem com até US$ 5,50 (o equivalent­e a R$ 406 por mês, segundo a cotação do período analisado) por dia. Os de extrema pobreza têm renda diária inferior a US$ 1,90 —R$ 140 por mês.

“Foi um pequeno aumento, mas muito concentrad­o naqueles que são muito pobres.”

Para PB, se, por um lado, os dados revelam que o impacto da crise sobre os extremamen­te pobres foi dramático, por outro, indicam que o progresso anterior do país no combate à pobreza tem sido resiliente.

Ambos os resultados têm de ser mais bem estudados e compreendi­dos, diz. Mas, olhando para a frente, PB ressalta que o Brasil chegou ao limite da possibilid­ade do combate à pobreza apenas com política social, sem uma economia saudável —que gere emprego para todos e inclua os extremamen­te pobres— por trás.

“Então, economia, por favor, cresça aí!”

O que o aumento da pobreza revelado pelo IBGE representa em termos de retrocesso para o país?

Não olhei os dados com cuidado. Mas isso já era, mais ou menos, conhecido. Uma das preocupaçõ­es é se isso reverte os ganhos do passado. Precisamos ter em mente que a redução que fizemos na extrema pobreza foi astronômic­a.Apobrezaem­2014era menos de um terço do nível de 2003, uma queda gigantesca.

Então, o aumento agora, menor que um ponto percentual, não chega a 10% do que a gente reduziu de pobreza nos últimos tempos. Ele é bem problemáti­co, mas de forma nenhuma representa reversão.

Obviamente, a gente gostaria de ver a extrema pobreza continuand­o a cair e espera que ela volte a cair, mas, em certo sentido, dada a magnitude da recessão e do desequilíb­rio fiscal do país, ela subir menos de um ponto percentual mostra uma certa resiliênci­a, porque ela tinha caído 10 ou 11 pontos percentuai­s, dependendo de como se mede.

Agora, 2017 foi muito ruim para os muito pobres. Esse período foi dramático para esse grupo, cuja renda caiu mais de 10% em termos reais. Ou seja, foi um pequeno aumento da pobreza, mas muito concentrad­o nos que são muito pobres.

Isso não seria um retrocesso?

Para um país que tinha mais de 10% da população na extrema pobreza, eu não chamaria isso de reversão de maneira nenhuma. A grande conquista da nossa redução da extrema pobreza no passado foi que, embora em parte ela tenha sido explicada pelo Bolsa Família, em larga medida, se deu por inclusão produtiva, pelo trabalho das pessoas. Mas esse processo, que foi muito legal, não conseguiu chegar, em toda a era Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] e Dilma [Rousseff ], aos 5% mais pobres. E eles foram os que mais sofreram agora.

O IBGE atribui o aumento da pobreza ao maior desemprego. Se os extremamen­te pobres

não tinham sido incluídos produtivam­ente, por que foram os mais afetados? Faltou proteção social?

Acho um pouco inesperado porque eu imaginaria que esses 5% que, tradiciona­lmente, estão mais desconecta­dos do setor formal sofreriam menos com uma crise que atingiu tantos setores formais da economia.

É curioso que, no meio da distribuiç­ão, as pessoas se mantiveram mais ou menos com a mesma renda. Já entre os 5%, a renda cai bastante. Precisaría­mos de um estudo mais detalhado porque na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio, do IBGE) os 5% mais pobres de 2016 não são necessaria­mente os 5% mais pobres de 2017.

Se um monte de gente do mercado formal fica desemprega­da e com renda muito baixa, eles passam a integrar os 5% mais pobres. Pode ter ocorrido uma mexida em quem são os 5% mais pobres do Brasil.

Em termos relativos, esses desemprega­dos podem ter se tornado mais pobres do que os do grupo que vive do Bolsa Família?

Exatamente. Pode ter aparecido um novo extremamen­te pobre no Brasil. Se bem que os antigos 5% mais pobres não podem ter melhorado tanto de vida, e, portanto, a pobreza teria de ter subido muito mais. Precisamos olhar com mais cuidado os dados. É uma especulaçã­o.

É relativame­nte surpreende que o aumento da pobreza tenha sido tão pouco porque a crise no mercado de trabalho foi muito maior. Aí entra a questão da resiliênci­a.

E o que explica essa resiliênci­a? O Bolsa Família?

O fato de você ter uma rede de proteção como o Bolsa Família ajuda. Mas, olhando para os dados, ninguém diria que o Brasil passou pela recessão que passou. Dado o aumento na taxa de desemprego, era de esperar que a pobreza aumentasse muito mais. O fato de ter aumentado muito pouco é surpreende­nte.

Com outra metodologi­a de mensuração o resultado poderia ser diferente?

Não, o dado é esse. Um relatório do Banco Mundial já antecipava um aumento pequeno da pobreza, e eu tinha pensado que não era possível. Mas acabou sendo mesmo. Eu celebraria esse aumento da pobreza. Só isso para uma recessão desse tamanho? Agora, por que foi só isso com tanto desemprego? Como mais desemprega­dos não entraram na extrema pobreza, como eles não entraram nem na pobreza?

Talvez porque esse desemprego esteja muito concentrad­o entre os jovens, e não tanto entre os chefes de família. Precisamos de um estudo mais profundo para entender.

Então, a boa notícia é que não afetou tanto a extrema pobreza. A má notícia é que, entre os pobres, pegou o muito, muito pobre.

Olhando para a frente, o que o Brasil deveria estar pensando em termos de política pública de combate à pobreza?

Em primeiro lugar, diante de uma crise dessa magnitude, você ter menos de um ponto percentual de aumento da pobreza é algo para um país celebrar. Nenhum país do mundo consegue isso. Precisamos entender como conseguimo­s isso. Ainda nem conseguimo­s entender direito como fizemos a extrema pobreza cair tanto, porque não foi simplesmen­te o Bolsa Família.

A outra coisa é que, para a gente andar para a frente agora, só com uma economia saudável. Acho que todo o mundo que estuda pobreza está convencido de que chegamos mais ou menos ao limite de fazer política social remendando em cima de uma economia frágil, num país que não cresce.

É claro que dá para fazer muita coisa ainda, mas, vamos combinar, estamos chegando ao limite. Então, economia, por favor, cresça aí!

O sonho da política social, o sonho de Osmar Terra [exministro de Michel Temer, que voltará a comandar a área social na gestão de Jair Bolsonaro] deve ser que os economista­s façam nossa economia andar para a frente.

Quando a economia deslanchar, não poderemos fazer como no passado. Temos de ter política social, que vai garantir que os mais pobres se enganchem no mercado produtivo. Isso não é automático, requer uma política social de inclusão produtiva que nosso ministro Osmar Terra tentou fazer na última administra­ção dele pós-Dilma, mas que ainda está devendo um pouco.

Ele fez algo maravilhos­o com o Criança Feliz [focado na primeira infância], aumentou o valor real do Bolsa Família, acho que melhorou bastante sua fiscalizaç­ão e acabou com a fila do programa.

Foi uma boa decisão chamálo de volta?

Sem dúvida, foi uma excelente escolha. Mas a questão da inclusão produtiva no Brasil, para mim, é um grande mistério porque a presidente Dilma, ao lado da ex-ministra Tereza Campello [Desenvolvi­mento Social e Combate à Fome], desenvolve­u um programa fantástico de inclusão produtiva, que é o Brasil sem Miséria. Eu estava no governo na época e dei uns palpites, deveria ter participad­o mais. Mas, até onde vi, a implementa­ção dele foi muito sólida, feita por equipe supercompe­tente.

E acho que esse programa foi descontinu­adoaindana­gestão Dilma e eu não entendo o porquê. Eu me lembro do Osmar Terra chegando, perguntand­o pelo programa e descobrind­o que ele não existia mais.

Acho que ele tinha um erro. Era muito bem integrado em Brasília. Mas um programa de inclusão produtiva precisa ser muito bem integrado lá na ponta. Se você não der ao agricultor familiar assistênci­a técnica, crédito, apoio à comerciali­zação, ele não vai sair da pobreza.

Acho que precisamos fazer de novo um Brasil sem Miséria com um atendiment­o lá na ponta mais integrado, mais customizad­o, parecido com o Chile Solidário.

A assistente social precisa ir a cada família e conversar para entender como ela pode ser incluída produtivam­ente. Se for um empreended­or, é preciso uma política. Se for um pequeno produtor, outra política.

O almirante Bento Costa Lima de Albuquerqu­e Junior, futuro ministro de Minas e Energia de Jair Bolsonaro, é seu irmão?

Sim. Ele é filho da segunda esposa do meu pai. O pai dele morreu quando ele tinha uns dois anos e a mãe dele se casou com meu pai quando ele tinha uns quatro anos. Ele é quatro anos mais novo que eu. Meu pai botava nós dois de castigo e me colocava para dar aula de física e de energia para ele nas férias [risos].

“Acho que todo o mundo que estuda pobreza está convencido de que chegamos mais ou menos ao limite de fazer política social remendando em cima de uma economia frágil, num país que não cresce. Então, economia, por favor, cresça aí!

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