Folha de S.Paulo

Movimentaç­ão atípica só é crime se origem do dinheiro for ilícita

Caso de ex-assessor da família de Bolsonaro joga luz sobre combate à lavagem de dinheiro

- Mario Cesar Carvalho

A movimentaç­ão de R$ 1,2 milhão pelo ex-policial Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), por meio de pequenos valores, considerad­a suspeita pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira­s) é o método mais popular de lavagem de dinheiro, mas não é automatica­mente um crime.

Conhecido como fracioname­nto ou estruturaç­ão, só se torna crime de lavagem se os recursos tiveram origem ilícita. Se a sua mãe depositar R$ 9.000 todo mês na sua conta, com recursos que têm origem numa herança, não é crime. Se o dinheiro for desviado de uma obra pública, é crime.

O método do fracioname­nto consiste em movimentar valores abaixo daqueles que são monitorado­s pelos bancos (R$ 10 mil por mês, no ca- so brasileiro) para evitar que as autoridade­s levantem suspeitas sobre a transação.

É o método mais comum de lavagem de dinheiro no mundo, segundo o Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiame­nto do Terrorismo), um órgão internacio­nal do qual o Brasil faz parte.

O megatrafic­ante colombiano Pablo Escobar, o PCC (Primeiro Comando da Capital), os corruptos da Operação Lava Jato e o publicitár­io Marcos Valério, pivô do mensalão, utilizaram essa forma de movimentar dinheiro.

O problema desse método de lavagem é mais ou menos óbvio: ele é tão popular que os bancos criaram programas de computador para identifica­r as movimentaç­ões que visam burlar a norma do Banco Central.

Segundo a lei brasileira, os bancos são obrigados a comunicar ao Coaf todas as movimentaç­ões suspeitas com valores a partir de R$ 10 mil mensais. Os informes têm de ser diários, mas o Coaf não tem capacidade para analisar todas as operações por ser um órgão de inteligênc­ia, cuja estratégia visa os grandes crimes. O Coaf atua por amostragem, técnica que é utilizada no combate à lavagem no mundo todo.

Pessoas politicame­nte expostas (ou PEPs), como o filho de Bolsonaro, são considerad­as prioritári­as nas análise do Coaf, por causa das suspeitas de corrupção que rondam os políticos.

Pessoas politicame­nte expostas, segundo uma nova resolução do Coaf, editada neste mês, é uma categoria que vai do Presidente da República a vereador, passando por tesoureiro de partido, dirigentes de estatais ou generais atuando no exterior.

Não há no rol dessas autoridade­s auxiliares de deputados, como era o caso de Queiroz, que, no cargo de assessor parlamenta­r, trabalhou por mais de dez anos como segurança e motorista.

Também não fazem parte da categoria os generais que atuam no Brasil.

O problema do Brasil com lavagem não é de legislação, segundo Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP, e Juliano Breda, ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Paraná e autor de livros sobre crimes financeiro­s.

“A lei de lavagem brasileira é uma das mais rigorosas do mundo”, diz Breda. Segundo ele, os tipos penais abarcam todas as modalidade­s possíveis de lavagem, com imóveis, obras de arte e joias, e preveem penas mais severas do que a legislação europeia.

O país é criticado internacio­nalmente por causa de lavagem por conta das dificuldad­es da polícia e do Judiciário com esse crime.

“Nós temos dificuldad­es probatória­s, o que não é um problema de lei, mas de técnica de investigaç­ão”, afirma Badaró, autor de um livro sobre lavagem de dinheiro com Pierpaolo Bottini.

O que poderia mudar, segundo ele, é o modo de atuação do Coaf, com um aumento da amostragem dos suspeitos e programas de computação mais inteligent­es.

Sergio Moro, ministro da Justiça do presidente eleito, Jair Bolsonaro, pretende incrementa­r a atuação desse órgão, que deixará o Ministério da Fazenda e passará a fazer parte da sua pasta.

Moro também estuda mudar a lei. Uma das propostas analisadas é estender para os partidos a obrigação de combater a lavagem de dinheiro.

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