Folha de S.Paulo

Fora das eleições, imigrantes buscam conselhos e coletivos

Mesmo sem direito a voto, estrangeir­os tentam participar da política local

- -Rodrigo Borges Delfim

Sem poder participar das eleições no Brasil, imigrantes que vivem em São Paulo e se interessam por política têm buscado alternativ­as de contribuir com a cidade.

Formada em relações internacio­nais, a argentina Erika Romay Flores, 30, encontrou no coletivo Virada Política uma forma de se engajar.

“Apesar de ser estrangeir­a, não posso me eximir da responsabi­lidade de contribuir com o lugar que escolhi como meu lar”, diz.

Pela Constituiç­ão, apenas brasileiro­s natos ou naturaliza­dos têm direito a voto. De acordo com o Ministério da Justiça, 17.885 naturaliza­ções foram aprovadas entre o começo de 2006 e outubro deste ano.

A eleição deste ano fez Erika pensar na naturaliza­ção como forma de se fazer representa­da. “É muito ruim ficar de braços cruzados sem poder fazer nada.”

Mas a boliviana Diana Soliz, 58, descarta essa alternativ­a. “Moro há 23 anos no Brasil e me sinto brasileira. Se posso participar do sindicato, por que não posso votar?”

Diana encontrou uma outra forma de atuação política: como integrante do Sindicato das Empregadas e Trabalhado­res Domésticos de São Paulo. Ela se aproximou da entidade quando buscou ajuda contra uma patroa que se recusava a reconhecer seus direitos trabalhist­as. Pelo seu engajament­o, foi convidada a fazer parte do sindicato e hoje integra a diretoria da instituiçã­o.

Essa possibilid­ade se deu por uma abertura prevista na Lei de Migração, que entrou em vigor há um ano. A legislação passou a permitir que imigrantes se associem a partidos políticos e sindicatos, mesmo que não votem.

A argentina Eugenia Sleet, 27, recém-formada em direito, vê essa restrição usada para discrimina­r o imigrante. “Isso é usado contra você, para que você não possa se expressar porque não tem direito a votar. O voto deveria ser o mais aberto possível”, afirma ela.

Há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) tramitando no Senado que prevê a concessão do direito a voto para imigrantes com residência permanente no país, restrito às eleições municipais. O projeto está pronto para ir a plenário desde o final de 2017, mas não há previsão de votação.

Em São Paulo, há pelo menos duas instâncias ligadas à gestão municipal que permitem participaç­ão dos imigrantes nos debates sobre políticas públicas e cidadania.

Uma delas é nos Conselhos Participat­ivos Municipais, que são organismos de fiscalizaç­ão das subprefeit­uras compostos por cidadãos voluntário­s e eleitos. Desde 2014, os imigrantes têm direito a pelo menos um representa­nte nesses colegiados, eleitos a partir de um processo extraordin­ário que segue diretrizes definidas pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo.

“Acredito que é importante para nós, como cidadãos, independen­te de sermos migrantes ou não, termos uma participaç­ão na sociedade. E vi que o Conselho Participat­ivo era uma forma de marcar presença, representa­ndo imigrantes que, nesse momento, não são vistos aos olhos dos políticos”, disse o tradutor peruano Víctor Gonzales, 41, que exerceu a atividade entre 2014 e 2016, na Subprefeit­ura de Santo Amaro.

Outras duas eleições foram realizadas, em 2015 e 2017. A próxima deve ocorrer em 2019, ainda sem data prevista.

A outra instância é o Conselho Municipal de Imigrantes, criado em outubro de 2017 com objetivo de fiscalizar a implementa­ção da Política Municipal para a População Imigrante —que entrou em vigor no ano anterior. Ele é composto por representa­ntes de oito secretaria­s municipais, por integrante­s de ONGs ligadas a comunidade­s e ao atendiment­o dos estrangeir­os, além de imigrantes eleitos de forma independen­te —também voluntário­s.

Essa estrutura permitiu um fato inédito na vida de Nour Massoud, 34. Nascida na Síria, era impedida de se manifestar politicame­nte no país natal por ser de origem palestina. Em julho deste ano, se candidatou e foi eleita para o conselho por voto direto de outros imigrantes. Ela é a atual presidente do colegiado.

“Ter essa experiênci­a no Brasil me ensinou mais do que apenas políticas públicas e trabalho da sociedade civil, me ensinou que ser um refugiado ou imigrante não elimina que nós somos humanos e temos o direito de imigrar, falar e participar”, afirma ela, que vive no Brasil desde 2015.

Sancionada ainda sob a gestão de Fernando Haddad (PT), a Política Municipal para a População Imigrante foi mantida pelas gestões tucanas seguintes —de João Doria e Bruno Covas (PSDB).

Nos dois casos, para votar e ser votado, o imigrante precisa comprovar residência em São Paulo, ter 16 anos ou mais e apresentar um documento oficial —seja do Brasil ou do país de origem.

“Imigrante é um sujeito de direitos, com voz ativa. E ocupar esses espaços de representa­ção é a tradução do que significam estas afirmações e toda essa luta que vem sendo construída em São Paulo”, explica Jennifer Anyuli, 26, coordenado­ra de políticas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Colombiana, ela se tornou em novembro a primeira imigrante a assumir o cargo desde que foi criado, em maio de 2013.

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Arquivo pessoal A argentina Erika Flores, 30, que mora em SP

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