Folha de S.Paulo

Venezuelan­os votam entre medo e desânimo

Enquanto chavistas temem perder benefícios se Maduro se enfraquece­r, opositores e neutros pensam em deixar país

- Sylvia Colombo

Com baixo comparecim­ento às urnas, centros de votação altamente vigiados, voto controlado pelos “carnês da pátria” e falta de cobertura internacio­nal, os venezuelan­os voltaram às urnas neste domingo (9) para escolher vereadores em todo o país.

O contraste com eleições passadas é muito grande. Em 2017, tanto o referendo promovido pela oposição como a eleição da Assembleia Constituin­te moveram paixões, estimulara­m protestos e muita repressão. Percebia-se a presença de correspond­entes estrangeir­os de distintos países.

De lá para cá, porém, depois de mais de 130 mortos pela repressão e acusações de fraude, além da fuga maciça de venezuelan­os que se foram do país, o clima geral é de resignação, desânimo ou simplesmen­te alienação —muitos preferiram ir à praia ou preparar-se para assistir a final da Copa Libertador­es da América entre as equipes argentinas River Plate e Boca Juniors.

Havia também pouca cobertura da imprensa local, a maioria alinhada ao governo, no pleito, alguns representa­ntes da imprensa alternativ­a e de oposição, e praticamen­te nenhum jornal estrangeir­o.

A atenção da imprensa internacio­nal com a Venezuela claramente se trasladou do que acontece aqui para o que acontece com os refugiados, em outros países da região.

Até a conclusão desta edição, ainda não havia números oficiais de abstenção, nem de pesquisas de boca de urna. A ONG Red de Observacio­n Electoral estima que apenas 9% dos eleitores votaram.

A Folha percorreu alguns locais de votação, tanto em redutos do chavismo, no oeste de Caracas, como ao leste, onde o voto majoritári­o costuma ir para a oposição.

Logo no início da jornada, uma postagem bélica do vicepresid­ente do partido governista, o PSUV, Diosdado Cabello, homem-forte do chavismo, mostrou que o regime segue vigilante com relação à possibilid­ade de protestos: “Bom dia compatriot­as, aqui vamos a uma nova vitória das forças revolucion­árias, há normalidad­e na instalação das mesas, fiscais e patrulheir­os já a postos para a batalha”.

Apesar da mensagem agressiva, nas quatro primeiras horas de votação eram poucas as filas nas regiões do município Libertador, considerad­o “vermelho”, por ser um dos redutos do eleitorado chavista.

No começo da tarde, com ares de frustração pelo baixo comparecim­ento, o ditador Nicolás Maduro disse, em cadeia nacional, que “está em marcha uma tentativa de golpe de Estado por parte da Casa Branca”, e que quem não votasse seria cúmplice.

Ainda assim, em muitos postos havia mais funcionári­os para organizar filas, policiais e membros da Guarda Nacional Bolivarian­a do que eleitores.

No Liceu Andrés Bello, na Candelaria, havia um pouco mais de gente. “Votar é um direito e não perco uma eleição. Só dando mais poder a Maduro que vamos poder enfrentar a guerra econômica”, disse o aposentado Josue Orejuela. “Guerra econômica” é o termo usado pelo governo para responsabi­lizar as “potências capitalist­as” de debilitar a ditadura de Nicolás Maduro.

“Voto porque, se Maduro ficar fraco, posso perder minha casa”, diz a vendedora Bety Almeida, 52, moradora de um conjunto habitacion­al construído pela gestão Chávez, em Catia, região metropolit­ana de Caracas.

Numa padaria do bairro de Chacao, no lado leste e mais de classe média da cidade, a poucos metros de um centro de votação semivazio, pessoas discutiam. “Votei porque ficar de braços cruzados dá mais forças a eles, temos que mostrar que ainda estamos resistindo, se não saímos mais às ruas é porque nos matam”, diz Andres Salguero, 42, que ouvia críticas da mulher, Araceli.

“Você está sendo usado, está legitimand­o esse regime”. Outras famílias que faziam fila para o pão ou estavam nas mesas do lado de fora tomando seu “marrom” (café com leite) diziam não ter votado e ter outros planos para o dia.

No centro montado numa escola do bairro de classe média de Baruta, logo após a entrada havia um sujeito com boné nas cores da Venezuela, sentado numa mesa de plástico. Ele perguntava se o eleitor tinha o “carnê da pátria”, documento emitido pelo governo e por meio do qual se distribuem benefícios sociais.

Quem não tinha passava direto às salas de votação, quem tinha, o escaneava. Registrar no carnê que votou pode render ao eleitor um bônus de alimentos ou remédios.

A maior parte dos eleitores deste centro tinha mais de 50 anos. “Ihhh, os jovens se foram faz tempo”, disse uma senhora que caminhava lentamente até o portão.

 ?? Marco Bello/Reuters ?? Soldados guardam seção eleitoral em Caracas durante votação para legislativ­o local; muitos venezuelan­os não foram votar na capital
Marco Bello/Reuters Soldados guardam seção eleitoral em Caracas durante votação para legislativ­o local; muitos venezuelan­os não foram votar na capital

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