Folha de S.Paulo

Obter passaporte é um périplo para quem quer fugir

- SC

A Folha acompanhou o cozinheiro Leon Maud Bezerril, 24, em duas filas nos últimos dias. A primeira, na sexta (7), quando esperava seu passaporte com prorrogaçã­o de dois anos na sede do serviço de identifica­ção e migração (Saime), em Caracas.

A segunda, neste domingo (9), quando Bezerril, a contragost­o, foi votar em uma escola de Catia. “Me sinto um palhaço votando, venho porque meus pais, que vão ficar aqui, insistem que eu vote. Mas meu foco agora é ir embora.”

Bezerril estudava para ser eletricist­a, quando, em 2014, estouraram protestos que convulsion­aram o país. O pai, então, pediu que o filho se afastasse de confusões e passasse a ajuda-lo no seu negócio, um restaurant­e de comida síria em Catia.

Apesar de se tratar de uma região tradiciona­lmente chavista, a família formada por imigrantes portuguese­s e sírios é crítica do governo.

Foi por isso que Bezerril acordou às 4h na e foi para a fila do passaporte. “Minha ideia é ir para Portugal, onde tenho parentes, e tentar trabalho lá. Sinto que aqui desperdiço meu futuro.”

O caminho não é fácil. A Folha o encontrou na fila às 8h, mas só às 16h conseguiu vêlo sair dali com o documento.

A Venezuela não está emitindo passaporte­s novos por falta de recursos para imprimi-los. Porém oferece uma prorrogaçã­o de dois anos para os que estão vencidos.

O procedimen­to é tão lento, porém, que muitas vezes boa parte desse tempo é devorado pela burocracia. A de Bezerril demorou oito meses.

“Há como fazer as coisas mais rápido, mas os intermediá­rios podem chegar a te cobrar até US$ 1000 [R$ 3.900]”.

Já na fila da votação, no domingo, bem mais rápida, o rapaz votou discretame­nte e saiu. O pai ia abrir o restaurant­e e ele não queria se atrasar.

“Agora vou juntar o que ganhei nos últimos meses, e um tio que está em Lisboa vai ajudar pagar o resto da passagem. Preciso ir no primeiro semestre de 2019, senão perco esse passaporte também.”

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