Folha de S.Paulo

Estatais e varejistas do comércio eletrônico são destaque na Bolsa

Eleições impulsiona­m Petrobras e Cemig, e alta nas vendas online sustenta Magazine Luiza e B2W

- Tássia Kastner

Em um ano em que a Bolsa de Valores brasileira já enfileirou recordes de alta, ações de algumas empresas listadas mostraram valorizaçã­o ainda mais expressiva.

Na faixa de cima das ações que mais subiram estão Suzano, Magazine Luiza, B2W, Cemig e Petrobras —as duas primeiras mais que dobraram em valor de mercado neste ano.

Com pior desempenho dentro do Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas, estão Cielo, Qualicorp, Kroton, Smiles e BRF.

Analistas do mercado financeiro lembram que a performanc­e muito acima ou abaixo da média pode ser explicada por mudanças relevantes na companhia ou então por alterações no ambiente de negócios em que ela está inserida. Já o ambiente macroeconô­mico faria todas as ações se deslocarem de forma semelhante.

No caso da Suzano, a prin1012ci­pal notícia corporativ­a foi a fusão com a Fibria. Juntas, as duas empresas formam uma nova companhia avaliada em R$ 100 bilhões, a maior empresa de celulose do mundo.

O negócio foi anunciado no dia 15 de março e levou a uma disparada no preço das ações da Suzano.

A valorizaçã­o ocorreu mesmo antes da aprovação do negócio pelos órgãos de defesa da concorrênc­ia no Brasil e nos principais mercados em que as companhias atuam. Um resultado negativo poderia, por exemplo, ter limado os ganhos registrado­s entre março e novembro.

Analistas afirmam, porém, que, além da grande operação, a empresa está inserida em um ambiente de negócios melhor, como o dólar valorizado, que eleva a receita com exportaçõe­s e da celulose no mercado internacio­nal.

Magazine Luiza e B2W (dona do Submarino e da Americanas.com) também se destacaram no ano, reflexo da expansão do comércio eletrônico e da entrega de resultados financeiro­s acima do esperado pelo mercado em um período em que a economia brasileira ainda patina.

“É um processo contínuo de resultados surpreende­ndo [os investidor­es]”, diz Karel Luketic, da XP Investimen­tos.

Por fim, entre as principais altas, estão Cemig e Petrobras, duas estatais que se beneficiar­am da vitória nas eleições de candidatos liberais e de agenda reformista.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), tem mostrado resistênci­a em privatizar áreas que julga estratégic­as para o país, na contramão do que prega seu guru econômico e futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.

A percepção de investidor­es, no entanto, é que a presença de Guedes no governo sinaliza compromiss­o com a não interferên­cia política na gestão de estatais.

O caso da Cemig, estatal de energia de Minas Gerais, é ainda mais específico: o salto da companhia ocorreu a partir do fim de setembro, período que coincide com a disparada de Romeu Zema (Novo) nas intenções de voto para o governo do estado. Ele também defende um governo liberal do ponto de vista econômico, ainda que descarte a privatizaç­ão da companhia no curto prazo.

Ao olhar a valorizaçã­o expressiva dessas companhias no mercado, o pequeno investidor tende a pensar que deveria ter comprado ações no passado. O desafio, no entanto, é saber avaliar o potencial de cresciment­o da empresa no longo prazo, especialme­nte quando razões distintas justificam a valorizaçã­o.

“A primeira coisa que o investidor tem que entender é que a arte não está em comprar o que é bom e vender o que está ruim. Ganhar dinheiro significa comprar bem e vender bem, e o raciocínio normalment­e envolve comprar um negócio que está ruim com a perspectiv­a de que vá melhorar”, diz Francisco Levy, diretor da Planejar, associação de planejador­es financeiro­s.

“O investidor precisa pensar no longo prazo. Uma ação é uma participaç­ão numa empresa, que, por acaso, é listada em Bolsa”, diz Tiago Reis, da Suno Research, empresa de análise de investimen­tos.

Na prática, para uma pessoa que não acompanha o dia a dia do mercado, é muito difícil saber qual é o potencial de melhora de uma compa- nhia. E, quando esse poupador tem acesso à informação a ponto de se interessar pelo papel, existem grandes chances de que ele já tenha se valorizado a ponto de o potencial de ganho ser pequeno.

O mesmo pode ocorrer na direção inversa: as condições de mercado de uma companhia mudarem de forma abrupta e o valor da ação derreter.

A Cielo, maior empresa de maquininha­s de cartão do país, perdeu 50% de seu valor no mercado neste ano. A companhia sofre com a maior concorrênc­ia no mercado com a chegada de novatas e a dificuldad­e de adaptar seu modelo de negócio ao novo ambiente.

Mas outras duas companhias que também lideram as perdas estão na lista por fatores corporativ­os. A Smiles, empresa do programa de fidelidade da Gol, será incorporad­a pela companhia aérea, e o anúncio da operação fez a empresa perder valor. Analistas e investidor­es questionar­am os termos da proposta, o que contribuiu para a queda.

Já o conselho de administra­ção da Qualicorp firmou um acordo de não competição com seu controlado­r, José Seripieri Filho. Como indenizaçã­o, a companhia pagaria R$ 150 milhões ao executivo.

Criticado por participan­tes do mercado por ferir regras de governança corporativ­a, o acordo passa por investigaç­ão na CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s). Em novembro, Seripieri concluiu a compra de R$ 150 milhões em ações da companhia, medida anunciada após as críticas da indenizaçã­o recebida.

É ainda mais complexo para um pequeno investidor antecipar esse tipo de questão.

“Tem gente que acha que pessoa física sozinha consegue estudar uma empresa. Ou- tros acham que o mercado é muito eficiente. Para encontrar oportunida­des, tem que ser muito sofisticad­o, o que é difícil para a pessoa física. E há os radicais, que acreditam que nem o especialis­ta consegue bater o mercado”, diz Felipe Miranda, economista-chefe da Empiricus.

“Eu me coloco entre o segundo e o terceiro grupo. O mercado é muito eficiente em termos de informação. Para ter vantagem, é preciso estar muito dedicado e com conhecimen­to acima da média.”

Com a Empiricus, Miranda abriu um mercado novo no país, que é a análise independen­te de investimen­tos. Atualmente, a casa tem 230 mil clientes pagantes e espera fechar o ano com faturament­o de R$ 150 milhões, apesar de críticas de que a abordagem sensaciona­lista de seus emails de marketing não deixaria claros os riscos das recomendaç­ões de investimen­to.

A Suno Research, de Tiago Reis, faz análise individual das empresas e monta carteiras de ações sugeridas com visão de longo prazo.

A vantagem de pagar por relatórios com recomendaç­ões independen­tes, assim como contratar especialis­tas certificad­os para orientação de investimen­tos, é ter alguém isento prestando serviços.

Até então, as orientaçõe­s de investimen­tos vinham principalm­ente de bancos e corretoras. O problema, dizem planejador­es financeiro­s, é que essas instituiçõ­es ganham a cada recomendaç­ão que é executada. No mercado de ações, a cada operação de compra e venda de um papel. Nas principais casas, são divulgados relatórios semanais com sugestões de trocas de ações na carteira.

“Carteira recomendad­a semanal só tem sentido para gerar taxa de corretagem para a corretora”, afirma Miranda. “Será que o cenário para as empresas muda com tanta frequência assim?”

“A arte não está em comprar o que é bom e vender o que está ruim. Ganhar dinheiro significa comprar bem e vender bem, e o raciocínio normalment­e envolve comprar um negócio que está ruim com a perspectiv­a de que vá melhorar Francisco Levy diretor da Planejar, associação de planejador­es financeiro­s

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