Folha de S.Paulo

Sem controle do partido, May adia votação do ‘brexit’

Voto previsto para esta terça não tem nova data, mas dia limite para plano é 21 de janeiro

- Lucas Neves

Em dura derrota para a primeira-ministra, o governo britânico adiou a votação do acordo de separação do país da União Europeia. Em discurso tenso no Parlamento, Theresa May declarou que não haverá acordo “sem concessões dos dois lados”.

Em dura derrota para a primeira-ministra Theresa May, o Reino Unido adiou a votação, pelo Parlamento britânico, do acordo de separação do país da União Europeia (UE), o “brexit”.

O Legislativ­o se pronunciar­ia na terça-feira (11) sobre os termos do documento acordado entre May e líderes europeus em novembro. Não há nova data para o voto, mas o dia limite para a chefe de governo apresentar um plano é 21 de janeiro.

Ela avaliou que não conseguiri­a conter, a tempo da sessão de terça, o motim de parte significat­iva de seus correligio­nários do Partido Conservado­r. Eles acham que o texto faz concessões demais ao bloco europeu e atenta contra a soberania britânica.

Em discurso tenso diante de parlamenta­res que a interrompe­ram duas vezes, May disse que voltará a Bruxelas (sede da burocracia europeia) para buscar garantias de que o “backstop” –como é conhecido o mecanismo que instaurari­a a união aduaneira– será provisório.

Muito da contraried­ade dos legislador­es advém do temor de que o Reino Unido ficaria preso indefinida­mente nessa zona tarifária comum e que isso o impediria de fechar acordos comerciais com outros países, por exemplo.

O que o documento negociado entre as partes efetivamen­te prevê é que, instaurada a união, Londres não poderia abandoná-la unilateral­mente; seria necessário para isso o assentimen­to da UE.

Em tom desafiador, a líder conservado­ra perguntou se o Parlamento queria mesmo colocar em prática o “brexit”.

“Se quer, e acredito que essa seja a resposta da maioria aqui, precisamos nos perguntar se estamos dispostos a fazer concessões”, disse. “Porque não haverá um ‘brexit’ bem-sucedido e longevo sem concessões dos dois lados.”

Em sua réplica, o líder do Partido Trabalhist­a, o oposicioni­sta Jeremy Corbyn, sugeriu que May buscará apenas garantias adicionais, e não mudanças de fundo no acordo com a UE.

“Este governo está completame­nte desordenad­o. Trata-se de um acerto ruim para o Reino Unido, para nossa economia e nossa democracia”, afirmou. “Se ela [May] não consegue renegociar os termos, deve ceder seu lugar a outra pessoa.”

Durante o fim de semana, a primeira-ministra conversou com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e com chefes de governo da Alemanha (Angela Merkel) e da Holanda (Mark Rutte), entre outros –segundo jornais ingleses, em busca de emendas ao acordo de separação fechado algumas semanas atrás.

Nesta segunda, a União Europeia foi categórica em descartar essa possibilid­ade. “Temos um acordo na mesa. Não vamos renegociar”, afirmou Juncker.

O presidente do Conselho Europeu (que congrega chefes de Estado e governo da UE), Donald Tusk, foi pelo mesmo caminho.

“Não renegociar­emos o acordo, tampouco o ‘backstop’, mas estamos prontos para discutir como contribuir para a ratificaçã­o dele no Reino Unido”, escreveu em uma rede social.

No pronunciam­ento ao Parlamento, May também voltou a afastar esse cenário. “Se fizermos um segundo, vão pedir um terceiro. Quem pede uma nova consulta precisa ser honesto quanto ao risco de que isso dividiria mais uma vez nosso país.”

“E quem defende sair da União Europeia sem acordo precisa admitir os efeitos que isso teria sobre as regiões britânicas mais pobres.”

Também na segunda, Michael Gove, um dos principais ministros do gabinete conservado­r, rechaçara a hipótese do adiamento da votação no Parlamento, mas contradiss­era Juncker –ou, ao menos, o desafiara.

“É claro que podemos melhorar esse acordo. É o que a primeira-ministra está tentando fazer.”

notícia do adiamento derrubou a cotação da libra esterlina, que atingiu seu valor mais baixo face ao dólar em 18 meses. dizendo que o veredito não tem efeito prático, porque, seja como for, o Reino Unido vai deixar a UE daqui a pouco mais do que cem dias.

Curiosamen­te, o posicionam­ento do tribunal pode acabar ajudando May, que sempre martelou que seu país não voltaria às urnas.

Ao abrir a porta para outro plebiscito, a sentença da corte cria uma saia justa para os parlamenta­res que desejam a separação da Europa, mas não nos termos obtidos pela primeira-ministra –que julgam ser uma afronta à soberania britânica.

Essa ala de “brexiters” pode se ver constrangi­da a endossar o acordo de May, por medo de que uma nova consulta termine com resultado diferente do de 2016.

Na semana passada, ao aprovarem uma resolução que aumentava seus poderes sobre a condução do “brexit” caso o acordo fosse reprovaA do, os legislador­es britânicos já tinham dado um primeiro alento ao grupo que deseja suspender o divórcio.

A corte acompanhou o posicionam­ento de seu advogado-geral, Manuel Campos Sánchez-Bordona, que rejeitou o argumento de Londres de que a suspensão do desligamen­to do bloco continenta­l dependeria de uma decisão unânime dos líderes reunidos no Conselho Europeu.

A ação foi impetrada na Justiça da Escócia em 2017 por oito parlamenta­res favoráveis à manutenção na UE. Um deles, Alyn Smith, deputado no Parlamento Europeu, classifico­u a sentença como “dinamite”.

“Isso manda uma mensagem clara aos parlamenta­res britânicos: há um jeito de sair desta bagunça, uma luz no fim do túnel para a economia, os empregos e a permanênci­a britânica no palco global. Agora depende deles.”

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Tolga Akmen/AFP Manifestan­tes contrários ao “brexit” protestam diante do Parlamento britânico, em Londres
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Phil Noble/Reuters A primeira-ministra Theresa May deixa a sede do governo em Londres

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