Folha de S.Paulo

Ambiente tenso

Escolhas de Ricardo Salles e Damares Alves para o ministério de Bolsonaro ensejam previsões de polêmicas nos setores de preservaçã­o e indigenist­a

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Acerca de escolhas finais para equipe de Bolsonaro.

Após cogitar fundir os ministério­s da Agricultur­a e do Ambiente, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), fez sua última indicação de primeiro escalão ao designar o advogado Ricardo Salles para a segunda pasta. Apesar do abandono da ideia de fusão, a escolha indica que não será apaziguado­ra a gestão da área no futuro governo.

Nada a estranhar, para quem teve como bandeira de campanha a saída do Brasil do Acordo de Paris (2015). Bolsonaro já criticou mais de uma vez, também, unidades de conservaçã­o e terras indígenas como barreiras ao desenvolvi­mento.

Salles teve passagem conturbada pela secretaria paulista do Ambiente. Desgastou-se com ambientali­stas, contrariou recomendaç­ões de técnicos e tornou-se réu em ação de improbidad­e administra­tiva por alegada adulteraçã­o em áreas de proteção de várzeas do rio Tietê.

Candidato não eleito a deputado pelo Partido Novo, Salles chamou atenção por associar seu número (3006) a um tipo de munição, a ser usada contra javalis, a esquerda e o MST. Em entrevista à Folha, mostrou comediment­o, propondo só revisar práticas de fiscalizaç­ão que reputa “ideológica­s”, para restringi-las ao prescrito na legislação.

Evitou repetir opiniões anteriores contrárias a terras indígenas, dizendo não ser assunto de seu ministério. Foi evasivo sobre o aqueciment­o global (“discussão inócua”) e cauteloso sobre a alta do desmatamen­to (“falta qualificar o dado”).

Em que pese a vagueza das afirmações, o histórico de Salles alimenta temores de que o ministério vá tomar partido de interesses do agronegóci­o em projetos potencialm­ente danosos para o ambiente.

Polêmicas também tendem a ser suscitadas pela nomeação de Damares Alves, indicada para a pasta de Mulher, Família e Direitos Humanos —que herdará a Fundação Nacional do Índio (Funai), antes alojada no Ministério da Justiça.

Ecoando opiniões de Bolsonaro, ela disse que vai rever a política de isolamento de indígenas.

A declaração diz muito sem afirmar nada. No campo conservado­r, decerto será entendida como apoio à promessa bolsonaris­ta de não homologar mais nenhuma terra indígena (embora a Constituiç­ão garanta aos índios os direitos originário­s sobre as terras que tradiciona­lmente ocupam).

Damares Alves também falou em dar meios para os índios se integrarem à sociedade “sem agressão alguma à sua cultura, respeitand­o as especifici­dades”. Um bom começo seria reconhecer as iniciativa­s de educação indígena emperradas na burocracia escolar e prover serviços de saúde decentes às aldeias.

Resta o debate sobre disciplina­r a exploração de recursos minerais e hídricos nas terras indígenas. É o que prevê o texto constituci­onal, com consulta aos ocupantes e repartição de resultados.

A regulament­ação do tema se mostra desejável, mas não pode ser conduzida à base de bandeiras simplistas e impulsos de ocasião.

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