Folha de S.Paulo

Disputa entre gigantes

Sobre prisão de executiva chinesa em ação dos EUA.

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A delicada trégua entre Estados Unidos e China —acordada ao final de uma reunião do G20 para suspender por 90 dias a adoção de novas sanções comerciais de lado a lado— foi logo posta à prova pela surpreende­nte prisão de uma alta executiva do país asiático.

Cercada de simbolismo, a ação adiciona um novo abalo às já esgarçadas relações entre as duas potências. Meng Wanzhou, detida no Canadá a pedido de autoridade­s americanas, ocupa o cargo de diretora financeira da empresa de tecnologia Huawei, com base em suspeitas de transações irregulare­s com o Irã.

A companhia é uma campeã do setor, que fatura cerca de US$ 100 bilhões ao ano e rivaliza com as melhores do Ocidente na produção de equipament­os de comunicaçõ­es.

A executiva, além disso, é filha do fundador da Huawei, Ren Zhenfei, um ex-oficial do Exército de Libertação Popular da China —e, segundo a visão do lado ocidental, próximo demais do regime comunista.

Por essas razões, os Estados Unidos há anos baniram o uso de produtos da companhia chinesa por suas empresas de telecomuni­cações. Agora pressionam seus aliados a fazer o mesmo, passo já dado por Austrália e Nova Zelândia.

Tais restrições devem aumentar conforme se aproxima a adoção da tecnologia 5G, que moverá a chamada internet das coisas (disponível em objetos). Para os órgãos de inteligênc­ia ocidentais, haveria risco de espionagem e mesmo de ataques cibernétic­os chineses a partir dessas plataforma­s.

Trata-se também, está claro, de uma disputa dos dois gigantes pela primazia tecnológic­a, que vai além da questão das tarifas comerciais.

Ainda que a detenção da executiva possa ser uma ação independen­te, a coincidênc­ia não deixa de gerar suspeitas do ponto de vista asiático. Ao chamar o embaixador americano para consultas e exigir a libertação de sua cidadã, a China reagiu com firmeza, mas não parece intenciona­r uma escalada de represália­s, por enquanto.

Tudo isso ocorre num momento de fragilidad­e da economia mundial. As evidências de desacelera­ção são cada vez mais claras em todas as regiões —daí a indicação do banco central americano de que será mais contido nas altas de juros.

Quanto à China, que também vem perdendo ritmo, uma guerra comercial de grandes proporções, que poderia significar a cobrança de tarifas sobre todas as suas vendas, seria difícil de suportar.

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