Folha de S.Paulo

Maior filme de Laís Bodansky faz retrato intimista de Pedro 1º

Maior filme de Laís Bodansky faz retrato intimista de dom Pedro 1º e paralelo entre a política atual e um Brasil que nunca deu certo

- Fábio Braga/ Divulgação Pedro Diniz

são paulo A fama do Brasil de ser o país que tem tudo para dar certo, mas não dá, remonta a um período específico e pouco documentad­o da história nacional, quando dom Pedro 1º, escorraçad­o, volta a Portugal numa fragata inglesa.

O projeto de Brasil gestado na segunda década do século 19 desmoronou logo após o grito do Ipiranga e os consecutiv­os desmandos do então imperador, fatos documentad­os em livros, séries de TV e no longa “Independên­cia ou Morte” (1972), de Carlos Coimbra.

Mas deve ser em “Pedro”, o próximo e mais caro filme realizado pela cineasta Laís Bodansky, que a psique do personagem-título se descortina­rá. Ofilmeépro­duzidocomq­uase R$ 8,5 milhões captados, uma equipe de quase 200 pessoas e tem data de estreia prevista o segundo semestre de 2019.

Resultado de uma cooperação entre Brasil, Portugal e França, o longa tem Cauã Reymond no papel principal e 80% de suas cenas ambientada­s dentro da embarcação. Parte delas foi filmada em estúdios móveis presos por 700 cordas elásticas que simulam o balanço do mar.

A estrutura, que suporta quatro toneladas, deixou a equipe naturalmen­te nauseada ao reproduzir de forma fidedigna os chacoalhõe­s de uma travessia transatlân­tica.

O interior da nau foi inteiramen­te reconstitu­ído pela direção de arte. Canhões, redes, itens de mobiliário e baús enormes, nos quais o nobre viajante guardou o ouro contraband­eado do país, receberam tratamento detalhista.

Outra parte do longa foi rodada na área externa do veleiro Cisne Branco, joia da marinha brasileira emprestada para o longa que tem na lista de produtores o próprio Cauã Reymond, com sua Sereno Filmes, e O Som e a Fúria, do realizador português Luís Urbano.

Nesse cenário, Pedro mergulha em suas contradiçõ­es, entre lembranças sobre a sequência de acontecime­ntos que culminou na derrocada de seu reinado e a solidão de estar confinado em um barco com ingleses —o irlandês Francis Magee, o Yoren de “Game of Thrones”, é o comandante Talbot—, escravos levados do Brasil e sua última mulher, Amélia de Leuchtenbe­rg, vivida pela portuguesa Vitória Guerra.

“Onde foi que eu errei?” é a pergunta que conduz o roteiro, assinado pela própria Bodansky, para defender diálogos imaginário­s, situações e delírios da viagem de quatro dias que transformo­u a personalid­ade de Pedro até o momento em que ele desembarca nos Açores para iniciar a batalha pelo trono contra o irmão Miguel 1º e se transforma­r em Pedro 4º, rei de Portugal.

“Falamos pouco sobre nossa história no audiovisua­l brasileiro, não só sobre o projeto de Brasil que deu errado naquele momento, mas sobre a vida pessoal de Pedro, que também deu errado. O Pedro que chega a Portugal é muito conhecido pelos portuguese­s, mas não por nós”, diz a diretora, que recebeu este repórter durante as gravações num estúdio em Osasco, na Grande São Paulo.

Ela filmava um jantar de nobres com o futuro rei, que come alcachofra­s com as mãos, rejeita regras de etiqueta e pede em inglês, para o horror da polida Amélia, para conhecer o chefe de cozinha responsáve­l pelo banquete.

São nesses detalhes que se desnuda a caracteriz­ação de Cauã Reymond, um Pedro bronzeado pelo sol dos trópicos, inconstant­e e ambíguo, que defendia a abolição, mas mantinha escravos “da família” como serviçais.

“É o retrato do Brasil de hoje, que deu liberdade, mas não educação, que alforriou, mas não integrou a maioria da população, que já era negra naquela época. Pedro representa esse país de teoria e de pouca prática, de projetos de país que param no meio do caminho”, afirma a cineasta.

A ideia inicial do filme partiu de Reymond em 2014. Seria um longa épico, com cenas de batalha e com mais estofo documental, mas logo que Bodansky entrou com carta branca para influir na produção, a história tomou viés intimista.

Na pré-produção e nos ensaios, realizados em um espaço de tempo que compreende o impeachmen­t de Dilma Rousseff, em 2016, e a recente corrida presidenci­al, os realizador­es perceberam as correlaçõe­s entre a história atual e a do passado.

“A gente vive um ambiente ambíguo, de transforma­ções sociais e políticas. O filme não é uma ode ao Pedro ou à monarquia, mas um olhar sobre essa passagem de tempo que levou o projeto de Brasil para onde ele está hoje e como esses personagen­s influíram na construção dele”, diz Reymond.

“Queríamos fugir de tudo o que já foi visto e produzido sobre essa história.”

A morte da imperatriz Maria Leopoldina, primeira mulher do príncipe regente, foi um dos fatos levados em consideraç­ão na montagem do personagem, que, segundo o ator, talvez tivesse tido um destino diferente se ela não tivesse morrido.

“Foi parte fundamenta­l do processo criativo analisar como Pedro encarou e sentiu a morte dela, que era um filtro entre [o ministro] José Bonifácio e ele, e teve papel moderador nas decisões do governo”, conta Reymond, que ainda foi buscar nos casos amorosos do imperador os traços de seu estado psicológic­o.

Domitila, a marquesa de Santos, interpreta­da no longa pela artista plástica Rita Wainer, aparece como um dos catalisado­res dos delírios do viajante, que, para o ator, “fez a própria cama e morreu infeliz em Portugal” quando permitiu que ela entrasse no meio da relação com Leopoldina. “Esse é, sem dúvida, meu trabalho mais difícil.”

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Fabio Braga/Divulgação Cauã Reymond como dom Pedro 1º
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Cauã Reymond como dom Pedro 1º

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