Folha de S.Paulo

Por que acreditamo­s em absurdos?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Não me surpreende­m as acusações de abuso sexual contra o médium João de Deus. Infelizmen­te, não é incomum que homens que interagem com mulheres na condição de benfeitore­s sanitários se aproveitem de sua posição. Outro caso célebre é o do ex-médico Roger Abdelmassi­h, condenado a 181 anos de prisão por estupros em série.

O que me parece mais difícil explicar é como uma pessoa que proclama curar doenças graves invocando espíritos de mortos e realizar cirurgias psíquicas encontre uma legião de clientes, incluindo gente habituada a usar a razão profission­almente. A lista de pacientes de João de Deus traz presidente­s, ministros do STF, além de várias celebridad­es nacionais e estrangeir­as.

É verdade que doenças fragilizam as pessoas, fazendo com que se agarrem a tudo o que lhes traga esperança. Ainda assim, é preciso levar a suspensão da descrença a extremos para achar que é possível operar alguém sem usar anestesia nem antissépti­cos e obter resultados favoráveis.

A ciência até já olhou para esses fenômenos com a mente aberta, mas décadas de investigaç­ão levaram à conclusão de que não passam de fraudes. O próprio João de Deus teve suas supostas cirurgias analisadas pelos céticos James Randi e Joe Nickell, que as classifica­ram como truques baratos. E, se a parte verificáve­l de seus métodos é um embuste, por que deveríamos dar mais crédito à parte inverificá­vel?

Um bom modelo para explicar por que as pessoas acreditam em coisas improvávei­s é o proposto pelo psicólogo Michael Shermer. Para ele, o cérebro é uma máquina de gerar crenças e, uma vez que elas estão estabeleci­das (quase sempre por motivações emocionais), nossa tendência é procurar as evidências que as confirmam e descartar as que as desmentem.

“Pessoas inteligent­es acreditam em coisas estranhas porque têm capacidade para defender crenças às quais chegaram por razão não inteligent­es”, sentencia Shermer.

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