Folha de S.Paulo

Os limites da exposição pública

Não se legitima assédio ao ministro Lewandowsk­i

- Luis Inácio Lucena Adams Ex-advogado-geral da União (2009-2016, governos Lula e Dilma)

Ganhou larga exposição da mídia incidente em que um ministro do Supremo Tribunal Federal foi assediado em um voo por um cidadão que questionav­a a instituiçã­o, acusando-a de ser uma vergonha para o país. Sem querer examinar a validade da atuação da Polícia Federal no caso, esse tipo de incidente se tornou uma caracterís­tica recorrente no exercício da cidadania brasileira, potenciali­zado pelo uso intensivo dos meios digitais de comunicaçã­o.

Isso evoca uma reflexão sobre os limites que devem ser estabeleci­dos para aqueles que se apresentam como cidadãos e querem ter participaç­ão na vida política brasileira.

O fato é que, para exercitar a manifestaç­ão política legítima, tem sido tolerado exercício do assédio comportame­ntal ilegítimo e, em alguns casos, ilícito. Assédio, no caso, é a conduta que busca constrange­r um indivíduo mediante a insistênci­a impertinen­te, perseguiçã­o, sugestão ou pretensão que impingem uma imagem negativa ou humilhante.

No caso, não se questiona o direito de um cidadão de fazer um questionam­ento público, via meios de comunicaçã­o social, sobre a conduta ou posição de uma instituiçã­o ou pessoa investida na função pública. Tal direito ao questionam­ento já foi enfrentado diversas vezes pelo Poder Judiciário brasileiro, e a liberdade de expressão garantida pelo próprio Supremo Tribunal.

Em julgamento encerrado em 2018 (ADI 4451), o Supremo Tribunal Federal estabelece­u que “...não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha.” Isso para garantir a liberdade de expressão humorístic­a no decorrer do processo eleitoral, limitando a ação da própria Justiça Eleitoral.

O próprio ministro Ricardo Lewandowsk­i, na ADPF 130, em que foi julgada a famigerada Lei de Imprensa, afirmou textualmen­te: “Observo, finalmente, que nos países onde a imprensa é mais livre, onde a democracia deita raízes mais profundas, salvo raras exceções, a manifestaç­ão do pensamento é totalmente livre, a exemplo do que ocorre nos EUA, no Reino Unido e na Austrália, sem que seja submetida a qualquer disciplina legal.”

O que se questiona aqui é a forma que esse direito é exercido. Ninguém há de discordar de que o direito de manifestaç­ão quanto ao preço da gasolina no Brasil não autoriza que as pessoas saiam ateando fogo nos postos de gasolina ou nas refinarias. Até piquetes destinados a fechar os postos e refinarias não são aceitáveis. Foi o caso da questionáv­el atuação dos caminhonei­ros, bloqueando o acesso da população a produtos de necessidad­e básica, o que representa um exercício ilegal do direito de manifestaç­ão.

Da mesma forma, o direito à crítica às instituiçõ­es públicas não autoriza o exercício desproporc­ional à instituiçã­o, mediante o assédio a um dos seus integrante­s.

Não se trata de uma crítica civilizada, mas um esforço de exposição —alavancada pela utilização de mídias sociais— com a finalidade de denegrir a nossa Corte Constituci­onal, basicament­e pelo fato de divergir das decisões tomadas no contexto de um sistema que deve balancear o correto combate à corrupção com a garantia dos direitos do indivíduos acusados, sejam inocentes, sejam culpados. A insatisfaç­ão com a conduta pública e a crítica não legitimam o ataque e o assédio a essas instituiçõ­es, focados no esforço de deslegitim­á-las.

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