Folha de S.Paulo

Crises corporativ­as geram aprendizad­os

Caso de cão morto em mercado retomou debate

- Ciro Dias Reis Jornalista e presidente da agência de comunicaçã­o Imagem Corporativ­a

Sempre que uma grande crise corporativ­a acontece, comentário­s e análises se multiplica­m, quase que num roteiro preestabel­ecido. São apontados erros cometidos pela organizaçã­o afetada, os arranhões na imagem da marca, bem como os riscos da perda de confiança dos clientes e consumidor­es —sem esquecer menções às repercussõ­es do episódio nas redes sociais.

Esses elementos se mostraram outra vez no recente caso da agressão e morte de um cachorro em uma loja pertencent­e a uma grande rede de supermerca­dos, em Osasco (SP).

Nesses momentos, convém examinar uma questão de fundo que vai além daqueles tópicos sempre repetidos em momentos de exposição negativa de empresas: tratase do mindset corporativ­o.

É esse mindset que geralmente leva as empresas, por exemplo, a considerar óbvia e indiscutív­el a contrataçã­o de apólices de seguro para seus imóveis, maquinário­s e frotas de veículos, bem como a realização de hedge cambial para proteger ativos financeiro­s.

Curiosamen­te, com frequência fica para um segundo ou terceiro plano a preocupaçã­o em construir um mapeamento de riscos potenciais nas diferentes dimensões em que a marca está presente. Com isso perde-se a chance de preparar previament­e (e ter à mão para uso imediato) estratégia­s, equipes e ferramenta­s capazes de neutraliza­r pelo menos parte do impacto de situações indesejáve­is.

O caso da rede de supermerca­dos repetiu um caminho espinhoso trilhado por tantas outras organizaçõ­es e pode ser resumido em três itens.

1. Não prever o erro (a lista de atitudes vedadas a funcionári­os e prestadore­s de serviços deve ser conhecida e praticada);

2. Não reconhecer devidament­e o erro (obrigação imediata diante de fatos incontestá­veis);

3. Não assumir pleno comprometi­mento com o aprendizad­o resultante do erro (revisão de procedimen­tos e estabeleci­mento de novos parâmetros).

Não faltam estudos e análises sobre os riscos das empresas. Pesquisa feita anualmente no Brasil pela Imagem Corporativ­a mostra que, historicam­ente, ao menos dois terços das crises corporativ­as poderiam ter sido evitadas ou ter impacto significat­ivamente menor caso as organizaçõ­es estivessem preparadas para os tsunamis que enfrentara­m.

Segundo estudo recente da PwC, 65% dos 164 CEOs globais entrevista­dos afirmaram ter enfrentado pelo menos uma crise nos últimos três anos. O estudo aponta que mais da metade passou por duas ou mais crises durante esse período, e 15% disseram que foram atingidos por cinco ou mais crises nos últimos três anos. A PwC mostra ainda que mais de 30% dos CEOs previam uma nova ocorrência negativa nos três anos subsequent­es.

O Institute for Crisis Management (EUA) identifico­u em 2017 nada menos que 801 mil notícias na imprensa mundial relatando crises em diferentes tipos de empresas, um aumento de 25% em relação a 2016. Segundo o ICM, as práticas corporativ­as ruins geraram 214 mil notícias mundialmen­te no ano passado, ou 26,7% de toda a cobertura sobre crises corporativ­as.

Três fatos inescapáve­is: as complexida­des se multiplica­m no ambiente corporativ­o; a régua só sobe em relação às chamadas melhores práticas; o mundo segue cada vez mais conectado em tempo real. Essa combinação não deixa outra opção às empresas que não seja incluir nas suas prioridade­s algum tipo de sistema de prevenção e gestão de situações sensíveis. Estas, queira-se ou não, sempre acontecem. No caso de crises acanhadas, justificat­ivas a posteriori não funcionam. Como escreveu Machado de Assis: “Lágrimas não são argumentos”.

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