Brasil tem chance de ser líder no debate sobre imigração
Doutorando em Ciência Política pela USP e pesquisador do Instituto de Guerra e Paz da Universidade Columbia de Nova York
A adoção do Pacto Global para Migração, que deve trazer um entendimento comum sobre as principais causas que forçam as pessoas a deixarem seus países de origem, e como mitigá-las, foi confirmada nesta segunda em conferência em Marrakech, no Marrocos.
O documento prevê proteção e garantia de direitos daqueles que migram; assim como a necessidade de atualizar a vigente legislação internacional para migrantes e refugiados.
O pacto é fundamental para rever uma ultrapassada legislação internacional que já não dá conta do fenômeno migratório em todas as suas dimensões. Com a constante transformação dos conflitos armados e a aceleração das mudanças climáticas, centenas de milhares de vidas dependem de sua adoção.
Vivemos a maior emergência migratória desde que a ONU foi criada. Hoje, um em cada quatro imigrantes não migra porque quer mas porque precisa para fugir de violências generalizadas, guerras civis, fome ou outras formas de colapso social.
Surpreende saber que 85% dos refugiados estão aos cuidados de países em desenvolvimento.
Quando enxergamos o tamanho dos interesses de países mais ricos nos respectivos conflitos e o impacto de suas economias sobre as mudanças climáticas, é fácil perceber que a distribuição de responsabilidades é injusta.
Contudo, os tempos de nacionalismos exacerbados mantêm baixas as expectativas sobre os resultados da conferência, e o número de países que abandonou o Pacto Global cresceu nos últimos dias.
A despeito de tudo, o Brasil pode se tornar uma liderança nessa matéria. Somos um dos maiores interessados no sucesso do pacto. Para cada estrangeiro que entra no Brasil, dois brasileiros saem.
Com a lei de migração aprovada em 2017, é justo que brasileiros recebam no exterior tratamento igual ao que oferecemos a estrangeiros aqui.
São essas as conclusões do estudo “O Brasil e o Futuro do Regime de Mobilidade Internacional”, liderado por Michael W. Doyle, professor de Direito e Relações Internacionais da Universidade Columbia de Nova York e ex-assessor do secretário-geral da ONU Kofi Annan.
O estudo apresenta ainda o Modelo de Convenção de Mobilidade Internacional (Mimc) desenvolvido por uma comissão de especialistas ao redor do mundo e que representa o que há de mais moderno no debate sobre migração e refúgio. Embora o Mimc seja um projeto muito mais ambicioso que o Pacto Global, pode servir de diretriz para o avanço do debate nos próximos anos.
O Mimc foi pensado para um mundo mais integrado, sem medo e mais solidário. É um modelo para servir de exemplo, um ideal.
Dentre alguns pontos que podem interessar ao Brasil estão a equiparação de imigrantes forçados a refugiados, e o direito destes a terem acesso a trabalho, educação, moradia e serviços públicos. Tendo em vista a necessidade de integrar interesses nacionais, públicos e privados, as propostas do Mimc incluem, por exemplo, um sistema integrado de identificação e passaportes, uma plataforma online para recrutamento de talentos ao redor do mundo, e a migração de aposentadorias.
Ainda que o Brasil tenha uma nova lei de migração, sua efetividade não está garantida. Alguns pontos foram barrados por decreto presidencial.
A aprovação de uma lei não garante seu cumprimento e até mesmo reversão. É para nos manter nos trilhos que os compromissos externos agem sobre tempos de inconsistências domésticas.
O Brasil é uma nação multiétnica, formada por ondas migratórias de todos os cantos do mundo. Temos uma legislação moderna sobre migração, mas ainda falta muito para tratarmos os imigrantes da mesma forma como gostaríamos de ser tratados lá fora. Que a data de hoje sirva para lembrarmos quem somos e quem queremos nos tornar.