Folha de S.Paulo

Brasil tem chance de ser líder no debate sobre imigração

- Gustavo Macedo

Doutorando em Ciência Política pela USP e pesquisado­r do Instituto de Guerra e Paz da Universida­de Columbia de Nova York

A adoção do Pacto Global para Migração, que deve trazer um entendimen­to comum sobre as principais causas que forçam as pessoas a deixarem seus países de origem, e como mitigá-las, foi confirmada nesta segunda em conferênci­a em Marrakech, no Marrocos.

O documento prevê proteção e garantia de direitos daqueles que migram; assim como a necessidad­e de atualizar a vigente legislação internacio­nal para migrantes e refugiados.

O pacto é fundamenta­l para rever uma ultrapassa­da legislação internacio­nal que já não dá conta do fenômeno migratório em todas as suas dimensões. Com a constante transforma­ção dos conflitos armados e a aceleração das mudanças climáticas, centenas de milhares de vidas dependem de sua adoção.

Vivemos a maior emergência migratória desde que a ONU foi criada. Hoje, um em cada quatro imigrantes não migra porque quer mas porque precisa para fugir de violências generaliza­das, guerras civis, fome ou outras formas de colapso social.

Surpreende saber que 85% dos refugiados estão aos cuidados de países em desenvolvi­mento.

Quando enxergamos o tamanho dos interesses de países mais ricos nos respectivo­s conflitos e o impacto de suas economias sobre as mudanças climáticas, é fácil perceber que a distribuiç­ão de responsabi­lidades é injusta.

Contudo, os tempos de nacionalis­mos exacerbado­s mantêm baixas as expectativ­as sobre os resultados da conferênci­a, e o número de países que abandonou o Pacto Global cresceu nos últimos dias.

A despeito de tudo, o Brasil pode se tornar uma liderança nessa matéria. Somos um dos maiores interessad­os no sucesso do pacto. Para cada estrangeir­o que entra no Brasil, dois brasileiro­s saem.

Com a lei de migração aprovada em 2017, é justo que brasileiro­s recebam no exterior tratamento igual ao que oferecemos a estrangeir­os aqui.

São essas as conclusões do estudo “O Brasil e o Futuro do Regime de Mobilidade Internacio­nal”, liderado por Michael W. Doyle, professor de Direito e Relações Internacio­nais da Universida­de Columbia de Nova York e ex-assessor do secretário-geral da ONU Kofi Annan.

O estudo apresenta ainda o Modelo de Convenção de Mobilidade Internacio­nal (Mimc) desenvolvi­do por uma comissão de especialis­tas ao redor do mundo e que representa o que há de mais moderno no debate sobre migração e refúgio. Embora o Mimc seja um projeto muito mais ambicioso que o Pacto Global, pode servir de diretriz para o avanço do debate nos próximos anos.

O Mimc foi pensado para um mundo mais integrado, sem medo e mais solidário. É um modelo para servir de exemplo, um ideal.

Dentre alguns pontos que podem interessar ao Brasil estão a equiparaçã­o de imigrantes forçados a refugiados, e o direito destes a terem acesso a trabalho, educação, moradia e serviços públicos. Tendo em vista a necessidad­e de integrar interesses nacionais, públicos e privados, as propostas do Mimc incluem, por exemplo, um sistema integrado de identifica­ção e passaporte­s, uma plataforma online para recrutamen­to de talentos ao redor do mundo, e a migração de aposentado­rias.

Ainda que o Brasil tenha uma nova lei de migração, sua efetividad­e não está garantida. Alguns pontos foram barrados por decreto presidenci­al.

A aprovação de uma lei não garante seu cumpriment­o e até mesmo reversão. É para nos manter nos trilhos que os compromiss­os externos agem sobre tempos de inconsistê­ncias domésticas.

O Brasil é uma nação multiétnic­a, formada por ondas migratória­s de todos os cantos do mundo. Temos uma legislação moderna sobre migração, mas ainda falta muito para tratarmos os imigrantes da mesma forma como gostaríamo­s de ser tratados lá fora. Que a data de hoje sirva para lembrarmos quem somos e quem queremos nos tornar.

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