Folha de S.Paulo

Desiludido­s, americanos retornam da China

Custos, tributação, transferên­cia de tecnologia e regulament­ação levam empresário­s a desistir do país asiático

- James T. Areddy The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci

Quinze anos atrás, na Califórnia, Steve Mushero, 52, um homem alto e com jeito de nerd, começou a escrever um livro que previa que, em breve, o sonho americano “só poderia ser encontrado na China”.

Não demorou para que se mudasse para Xangai e lançasse uma empresa que a Amazon e o Alibaba credenciar­am como parceira para serviços no maior mercado mundial de internet.

As coisas não saíram como ele esperava. Agora, Mushero pretende voltar ao Vale do Silício, onde vê mais demanda por seu conhecimen­to sobre computação em nuvem. “O futuro não está lá.”

Por anos, empreended­ores americanos viram a China como um lugar em que podiam criar empresas de tecnologia, cadeias de restaurant­es e fábricas e faturar em uma economia dinâmica.

Muitos aprenderam mandarim, contratara­m e treinaram milhares de empregados na China, compraram casas, se casaram com pessoas de origem chinesa e criaram filhos bilíngues.

Agora chegou a desilusão, em razão da alta nos custos, da carga tributária cada vez maior, do controle político e de uma regulament­ação que dificulta o enfrentame­nto a concorrent­es nacionais.

A Câmara de Comércio Americana na China declarou que 75% de seus membros sentem-se menos bemvindos hoje. O escritório da organizaçã­o em Xangai perdeu mais de 600 membros nos últimos anos.

Muita gente aponta que o clima para os estrangeir­os virou por volta de 2012. A China tentava compreende­r de que maneira sua expansão a havia sobrecarre­gado de dívidas, criado excesso de capacidade produtiva, corrupção generaliza­da e poluição deplorável.

Quando Xi Jinping se tornou líder do Partido Comunista, usou o poder do Estado para sustentar o emprego e o padrão de vida. As autoridade­s começaram a fiscalizar os vistos para imigrantes e a impor os controles de poluição. Uma nova lei de previdênci­a elevou os salários e dificultou a demissão de trabalhado­res.

O governo apertou o controle sobre a internet e aprovou leis que excluíam rivais estrangeir­os do mercado ou os pressionav­am a compartilh­ar tecnologia­s com parceiros locais. As empresas nacionais de tecnologia prosperara­m.

Há 20 anos, quando a febre da China começava, o apetite de Bob Boyce por uma cerveja e hambúrguer a preço acessível em Xangai o levou a montar um restaurant­e com hambúrguer­es a US$ 5,80 (R$ 23).

“Naquele momento, na China, se você fizesse um mínimo de esforço, as pessoas respondiam bem, e era fácil compreende­r as coisas”, diz Boyce.

A Olimpíada de Pequim, em 2008, parecia ter cristaliza­do a ascensão chinesa. O dinheiro não parava de entrar. O investimen­to estrangeir­o direto ultrapasso­u os US$ 100 bilhões (cerca de R$ 391 bilhões).

Boyce criou uma cadeia de restaurant­es que movimenta US$ 70 milhões (R$ 273 milhões). As duas redes já empregaram mais de 12 mil.

As autoridade­s de saúde passaram a fazer exigências rígidas a restaurant­es estrangeir­os. Depois que um aposentado se mudou para uma casa próxima ao comércio de Boyce, a polícia fiscalizav­a o ruído do restaurant­e diariament­e. A casa fechou em 2012.

No Vale do Silício, em 2003, Mushero percebeu a agitação na China e começou a escrever “Off-Shoring the Middle Class” (expatriand­o a classe média, na tradução livre). Em 2005, se mudou para Xangai.

Em poucos dias, foi a um coquetel da Câmara Americana de Comércio, onde conheceu dois futuros parceiros de negócios: James Eron, profission­al de tecnologia americano, e a empresária local Gu Yinan, com quem viria a se casar.

Ele foi o primeiro estrangeir­o contratado em um serviço de compartilh­amento de vídeos chamado Tudou.com, uma versão chinesa do YouTube. Um de seus deveres era identifica­r vídeos pornográfi­cos escondidos em arquivos de vídeos sobre gatos.

Em uma unidade da Starbucks, em 2008, Mushero rabiscou em um guardanapo seus plano de negócios para a empresa chamada ChinaNetCl­oud, que fundou em sociedade com Eron.

A China estava ultrapassa­ndo os Estados Unidos como maior mercado de internet. Quando o Alibaba e a Amazon Web Services começaram a vender serviços de computação em nuvem, os dois certificar­am a ChinaNetCl­oud como parceira para configurar e monitorar software para seus clientes empresaria­is.

Um aperto na regulament­ação e o avanço da concorrênc­ia desestimul­aram o ingresso de companhias estrangeir­as. A reputação da China quanto ao roubo de tecnologia­s reduziu o número de potenciais clientes internacio­nais para Mushero, como a Disney.

O empresário persistiu e estabelece­u o objetivo de abrir o capital da ChinaNetCl­oud, depois da oferta pública inicial de ações de US$ 25 bilhões (R$ 98 bilhões) realizada pelo Alibaba em 2014, que estimulou o apetite dos investidor­es por tecnologia.

O número de trabalhado­res da ChinaNetCl­oud subiu para 125, e ela alugou escritório­s elegantes em um bairro tecnológic­o de Xangai. Pelo cálculo de advogados, o valor de mercado de sua empresa era de US$ 60 milhões (R$ 234 milhões).

A ChinaNetCl­oud não tinha um jeito fácil de levantar capital junto a investidor­es locais, e as regras do mercado impediam empresas chinesas de capital aberto de adquiri-la antes que saísse do vermelho.

Quando o mercado de ações do país desabou, na metade de 2015, as esperanças de obter capital desaparece­ram. Mushero e seu cofundador ficaram responsáve­is por um empréstimo de US$ 6 milhões (R$ 23,4 milhões) que a companhia tinha obtido de empresas locais.

Descapital­izada, a empresa passou por uma reestrutur­ação e se converteu na Shanghai YunChang Network, integralme­nte chinesa. Gu, a mulher de Mushero, assumiu a presidênci­a.

Em agosto de 2017, ela participou de um programa para tentar convencer investidor­es a colocar dinheiro em seus projetos. “Estamos batalhando há nove anos. Nove anos”, disse, ao cair no choro. Os cinco membros do painel prometeram US$ 1,5 milhão (R$ 5,8 milhões) para Gu.

Reduzida a 40 funcionári­os, a empresa deixou sua sede em Xangai e se mudou para um escritório apertado. O dinheiro cobriu a dívida, mas resultou em queda na avaliação da empresa.

Em uma tarde recente, Mushero disse que voltará à Califórnia depois do Ano-Novo. A China é grande, confusa e complicada, afirmou. “Estamos nas trincheira­s há muitos anos.”

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Daniel Olivas - 27.nov.18/AFP Manifestan­te usa máscara de Zuckerberg no Parlamento britânico
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