Japão formaliza acusação contra Ghosn e inclui Nissan em ocultação de renda
No país asiático, 99% dos indiciamentos terminam em condenação; prisão de brasileiro é estendida
Procuradores da Justiça japonesa em Tóquio acusaram Carlos Ghosn de declarar remuneração inferior à que ele recebia, o que coloca um dos mais famosos líderes empresariais do planeta no caminho do rolo compressor do sistema judiciário japonês.
A acusação se estende à Nissan, por não informar corretamente os valores nos documentos financeiros da empresa.
Ghosn, que tem nacionalidade brasileira, francesa e libanesa, está preso desde 19 de novembro e negou todas as imputações contra ele, de acordo com a rede de TV japonesa NHK.
O executivo terá de enfrentar o sistema legal do Japão, no qual mais de 99% dos indiciamentos criminais terminam em condenação.
A decisão dos procuradores surge exatamente três semanas depois da detenção de Ghosn, no aeroporto de Haneda, em Tóquio, e, em razão do indiciamento da Nissan como empresa, lança dúvidas sobre o futuro de Hiroto Saikawa, o presidente-executivo da montadora.
Analistas dizem que as acusações contra a Nissan como empresa e as novas imputações que cobrem o ano fiscal mais recente da montadora, quando Saikawa substituiu Ghosn como presidente-executivo, colocam em questão o futuro de Saikawa no comando do grupo.
Em comunicado divulgado nesta segunda-feira (10), os procuradores afirmaram que Ghosn e Greg Kelly, assessor muito próximo ao ex-presidente do conselho da Nissan e ele mesmo integrante do conselho da montadora, tiveram suas ordens de prisão renovadas.
A medida foi adotada em razão de novas acusações que envolvem ocultação de 4,27 bilhões de ienes (US$ 38 milhões, ou R$ 148 milhões) da remuneração de Ghosn pelos três últimos anos fiscais da companhia, até março de 2018.
Quando os procuradores ordenaram a detenção de Ghosn, em 19 de novembro, eles afirmaram que, com a ajuda de Kelly, ele havia ocultado 5 bilhões de ienes (US$ 44 milhões, ou R$ 172 milhões) de sua remuneração nos cinco anos fiscais até março de 2015.
“Multas não são suficientes, e é preciso haver uma investigação rigorosa sobre o que aconteceu na Nissan, porque continuam a existir incer- tezas sobre a maneira pela qual a companhia lidava com sua contabilidade”, afirmou Takaki Nakanishi, ex-analista do banco Merrill Lynch e agora dono de uma empresa de pesquisa.
A Nissan afirmou que Ghosn, como presidente do conselho, tinha autoridade individual para determinar a remuneração dos conselheiros da empresa e que Saikawa não é réu, como indivíduo, nas acusações movidas pela procuradoria.
Reportagem publicada no domingo pelo Wall Street Journal revelou que Ghosn pretendia tirar Saikawa do cargo.
O indiciamento ocorreu no último dia do período de detenção de 22 dias de Ghosn, 64, depois que ele foi preso e derrubado de seu posto no grupo automobilístico, em uma queda dramática para o executivo que arquitetou a aliança entre Renault, Nissan e Mitsubishi.
As ações da Nissan caíram 2,9% depois que a notícia foi divulgada.
As acusações contra Ghosn, que continua a ser presidente-executivo e do conselho da Renault, devem criar ainda mais urgência nas negociações quanto à reformulação da aliança franco-japonesa lançada 19 anos atrás, diante da ausência do homem que era considerado essencial para manter as empresas unidas.
“Esperamos que venham a acontecer discussões construtivas entre as empresas para reforçar a aliança”, disse Shinzo Abe, o primeiro-ministro do Japão, em entrevista coletiva depois do indiciamento.
A nova ordem de prisão, sob novas acusações, significa que a detenção de Ghosn poderá ser estendida até o dia 30, se os tribunais aprovarem.
Críticos argumentam que os períodos longos de detenção e interrogatórios intensivos com duração de até oito horas diárias podem criar um ambiente propício a confissões forçadas e a condenações indevidas.
“Ouvimos devidamente as declarações feitas pelo suspeito e fazemos novas perguntas”, disse Shin Kukimoto, procurador-chefe-assistente, nesta segunda-feira.
“Não realizamos o tipo de interrogatório que força uma confissão.”
Uma investigação interna pela Nissan, deflagrada por denúncias de uma fonte na empresa, alega, em separado, que Ghosn fez uso pessoal de recursos da montadora.
A suposta falsificação dos balanços da empresa gira em torno de remuneração postergada que Ghosn receberia ao se aposentar, em um total de mais de 9 bilhões de ienes acumulado entre os anos fiscais de 2010 e 2017.