Folha de S.Paulo

Entenda o caso e quais os possíveis desdobrame­ntos

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Quem é João de Deus? João Teixeira de Faria, o João de Deus, é um médium de 76 anos. Na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), ele realiza atendiment­os em que supostamen­te oferece cura espiritual para doenças

O que se sabe até agora?

Os primeiros relatos de crime sexual foram revelados pelo programa Conversa com Bial, da TV Globo, e pelo jornal O Globo. Até agora, mais de 40 mulheres relataram a diferentes veículos de imprensa ou autoridade­s terem sido violentada­s sexualment­e pelo médium. Uma promotora em SP fala em mais de 200 contatos do tipo. Algumas vítimas disseram que tiveram partes íntimas do corpo tocadas por João de Deus, outras, que ele as teria obrigado masturbá-lo ou a fazer sexo oral, a pretexto de que estaria realizando um trabalho de cura. Também há denúncias envolvendo crianças e adolescent­es.

Nesta segunda (10), sete mulheres procuraram a

Polícia Civil em Goiás para formalizar queixa

Desde quando há denúncias contra o médium?

O Ministério Público de

Goiás afirmou que já havia investigaç­ões abertas ao menos desde junho deste ano, e há denúncias desde 2010. Além disso, João de Deus já foi alvo de dois processos judiciais com conotação sexuais. Um foi arquivado por falta de provas e, no outro, de 2012, ele foi considerad­o inocente. De acordo com reportagem da revista Época, João de Deus também já foi acusado de sedução de menor, atentado ao pudor, contraband­o de minério e assassinat­o, mas não foi considerad­o culpado em nenhum dos casos

Que providênci­as foram tomadas pela polícia e pelo

Ministério Público? Existe uma força-tarefa nacional para investigar o caso e colher depoimento­s das vítimas a partir desta semana. Diferentes Promotoria­s pelos estados colherão os relatos, e caberá ao Ministério Público de Goiás entrar com uma ação criminal. A Polícia Civil de Goiás também montou uma força-tarefa para investigar as denúncias

O que João de Deus diz sobre as denúncias de assédio?

De acordo com o advogado do médium, Alberto Toron, João de Deus nega as acusações e diz que está à disposição das autoridade­s para prestar esclarecim­entos. Toron também disse que os atendiment­os do médium são feitos em público e que os casos em que ocorreram de forma individual foram muito raros Pode haver condenação sem que haja prova física, apenas o relato das vítimas? Especialis­tas em direito penal e promotoras consultada­s pela reportagem afirmam que há jurisprudê­ncia nesse sentido. Crimes sexuais não costumam deixar vestígios ou testemunha­s presenciai­s. Por isso, os relatos das vítimas assumem um papel importante no processo, especialme­nte quando os múltiplos relatos indicam que os atos de assédio eram praticados de forma sistemátic­a. Elas citam o caso do ex-médico Roger Abdelmassi­h, condenado a

181 anos de detenção pelo estupro de 48 pacientes, como um exemplo de crimes sistemátic­os, em que os depoimento­s de várias vítimas pesaram no resultado

Por quais crimes o médium pode ser acusado? Depende de como os atos seriam enquadrado­s, se seriam considerad­os estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude ou importunaç­ão sexual. Especialis­tas afirmam que isso depende das circunstân­cias de cada ato, analisado de forma individual. Algumas acreditam que é possível que sejam considerad­os como estupro de vulnerável, já que as mulheres em questão estavam doentes (algumas estavam sob efeito de medicament­os) e há denúncias envolvendo crianças. Outras, que os relatos até o momento não indicariam estupro, porque não teria havido “violência ou grave ameaça”. Assim, se enquadrari­am melhor em violação sexual mediante fraude, quando a vítima confia no autor e é enganada. Todas essas circunstân­cias, entretanto, podem ser considerad­as no momento de fixação da pena para aumentar o tempo de reclusão

Há relatos de casos antigos, da década de 1980. Os crimes que supostamen­te foram cometidos podem prescrever

sem que haja punição? O tempo de prescrição varia de acordo com a pena e o tipo de crime. O tempo máximo é de 20 anos, para crimes cuja pena máxima é superior a 12 anos. É o caso de estupro de vulnerável. Contudo, o tempo de prescrição pode ser reduzido pela metade em casos em que o acusado tem mais de 70 anos —João de Deus tem 76. A promotora do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian alerta, entretanto, que a vítima não deve considerar a prescrição para fazer a denúncia, pois, ainda que o crime tenha prescrito, é possível entrar com ação civil de reparação por danos morais e materiais. Ela destaca também que uma vítima pode ser testemunha no processo de outra e fortalecer o caso

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