Folha de S.Paulo

Escola em SP usa música e meditação para acalmar e incentivar estudantes

Professore­s de colégio na zona sul criam campanha pela vida após adolescent­es falarem em suicídio

- Thaiza Pauluze

Quando a professora Daniela Zanoni chegou à sala de leitura da escola Major Arcy, ela se assustou com o relato dos alunos. “Vou me matar. Meu pai não aceita minha sexualidad­e”, disse uma adolescent­e. “Quero morrer. Eu queria morar com a minha mãe”, se queixou outra aluna, que vive com a tia. A mãe é moradora de rua.

Alguns já haviam se cortado com estilete, outros quebraram o apontador para fazer de objeto cortante. As histórias não são exclusivas desse colégio estadual na Vila Mariana, bairro de classe média da zona sul paulistana. Mas foi lá que os professore­s ligaram o alerta e decidiram criar o projeto Há Vida para jogar luz sobre o tabu. Ele se soma a outras ações de melhoria da autoestima dos estudantes.

No caso da primeira aluna, a solução foi a conversa aberta sobre sexualidad­e. No segundo caso, foi a música —a menina ama cantar e entrou para o coral da escola.

A meditação fica a cargo da professora de sociologia Laura Sanches. Ela entra na sala e, em no máximo cinco minutos, acalma a turma. Sem o método, “tem professore­s que levam 20 minutos até a classe fazer silêncio e focar”.

Com uma aluna que tem fortes crises de ansiedade, só Laura dá jeito. A menina sai da sala sem conseguir respirar, chorando. “Cinco minutos de meditação, ativando os pontos neurais, e ela entra no eixo”, diz a professora. Outra chegou rebelde, xingava todo mundo, não tirava o boné. Laura diz ter simplesmen­te escutado a garota, que deixou a revolta de lado, e já abraça a todos sem embaraço.

Quem entra na escola Major Arcy ouve “As Quatro Estações” de Vivaldi. A estrondosa sirene do intervalo deu lugar também a Mozart, Beethoven e Michael Jackson.

A escola é parte do projeto de ensino integral do estado, e os alunos, de 10 a 17 anos, têm rotina puxada: das 7h às 16h. A maioria é de longe, vem do extremo zona sul da capital, e leva até três horas para chegar. São, principalm­ente, filhos dos funcionári­os do Hospital São Paulo, distante 3 km dali.

“O ensino integral tira a cri- ança da rua, possibilit­a sonhar”, diz a diretora Eliane Dantas. Essa ideia, de almejar além da marginalid­ade que ronda os jovens da periferia, é trabalhada em disciplina­s como projeto de vida, protagonis­mo e mundo do trabalho.

Na rede pública brasileira, só 4 em cada 10 estudantes miram o diploma universitá­rio, segundo dados do Pisa, teste internacio­nal de aprendizag­em. Bem, não na escola estadual da Vila Mariana. Lá, a imensa maioria dos que chegam ao nível médio buscam o ensino superior. A direto- ra calcula que 60% tenha ingressado numa universida­de.

“Nos importamos com o currículo, mas acima disso está o ser humano que queremos formar: autônomo e empático”, diz Eliane.

Nas notas, a Major Arcy vai bem. É a quinta melhor escola estadual de São Paulo, segundo o Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica). Mas o que entusiasma a todos lá são ideias fora da caixinha. Exemplo são os clubes, onde alunos de todas as idades se dividem por interesse. Tem a galera do xadrez, do teatro, da literatura —e até uns de 10 anos conduzindo reunião com aqueles quase formados.

O Há Vida foi criado em homenagem ao profeta Gentileza —como era conhecido José Datrino. Ele foi um pregador, famoso por suas inscrições como “Gentileza gera Gentileza”, nas pilastras do viaduto do Gasômetro, no Rio.

Seus desenhos e frases, pregando amor, paz e gentileza, foram reproduzid­os pelos alunos nos muros da escola paulista no mês passado.

A ideia de discutir racismo —outro tema intimament­e ligado à baixa autoestima— partiu dos alunos. Numa aula, um mediador debochou da expressão “nigga” (gíria do inglês, usada entre os afro-americanos e tida como pejorativa quando falada por brancos). Os estudantes não aceitaram.

“Parecia que falar sobre negros era difícil, um tabu, mas é o que eu sou”, critica Ana Luiza Pinheiro, 14. No último colégio em que Clara Marques, 16, estudou, ela não se sentia bem. Na sala da particular, só dois eram negros.

“Falavam muito do meu cabelo, aí ou eu brigava ou chorava. Agora estou aprendendo a reagir com argumentos.” As marcas da época ficaram. “Eu não conversava mais, não saía de casa. Tive crise de ansiedade, fiz terapia vários anos.”

Para Ana Luiza, o preconceit­o deu as caras quando ela tinha seis anos. “Estava brincando de Barbie. Uma menina da escola tirou a boneca da minha mão e disse que eu nunca seria como ela: branca, loira, de cabelo liso. Disse que eu era feia.”

Para os meninos é mais fácil, diz Gustavo Felipe de Oliveira, 14, campeão estadual de basquete com o time da Major Arcy. “A gente corta o cabelo baixinho, passa gel.” Foi assim que ele chegou, em 2015. De lá para cá, deixou nascer o black power que hoje ostenta orgulhoso.

Outro que passou pelo mesmo processo foi Gabriel Andrade de Jesus, 14. Tanto num colégio público, quanto no particular, foi rejeitado. “Era o último a ser escolhido. Antes eu até alisava o cabelo, mas quando cheguei aqui, comecei a deixar crescer.” Foi em 2016.

Ana Luiza quer ser artista. Faz teatro na escola e balé numa academia de dança. Clara se divide entre psicologia e arquitetur­a. “Pretendo fazer os dois.” Gabriel também está declinado a cursar psicologia “por querer ajudar as pessoas”. Já Gustavo pretende seguir jogando basquete.

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Grafite feito por alunos na escola estadual Major Arcy, na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo

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