Folha de S.Paulo

MasterChef Profission­ais é cria direta dos shows de calouros

- Marcos Nogueira Divulgação

O Homem que Vira Peixe era a atração prometida por Silvio Santos numa remota tarde do século 20. O anúncio do patrão fora feito no início do “Show de Calouros”, espetáculo de variedades que coroava a melancolia dominical com cenas de vergonha alheia explícita.

Cantores sem voz, modelos sem beleza e palhaços sem graça frequentav­am o auditório de Silvio e seus jurados —uma coleção de espécimes quase tão extravagan­te quanto o ministério de 2019.

Acadabloco­doprograma,Silvio anunciava novamente o tal HomemqueVi­raPeixe.Eentão chamavaosc­omerciais:Tamakavy,Vimave,BaúdaFelic­idade.

Foram horas de embromação. Quando finalmente chegou o momento, já era noite. Silvio mandou abrir a cortina e, atrás dela, havia um sujeito de aparência comum. O homem tinha à sua frente uma pequena bancada com um peixe inteiro numa frigideira.

Naquele momento, todos já sabiam o que iria acontecer: o calouro virou o peixe de lado. E Silvio Santos encerrou o “Show de Calouros” sem mais delongas. Estava inaugurada a era dos programas de calouros com temática gastronômi­ca.

O gênero ainda prende a atenção com atrações como o MasterChef Profission­ais, cuja final será exibida às 22h30 desta terça (11), na Band.

A franquia MasterChef descende diretament­e de programas como o “Show de Calouros” e a “Buzina do Chacrinha” —que distribuía bacalhau para a plateia e abacaxis para os candidatos particular­mente ruins. O formato se aprimorou na produção e na edição, mas o roteiro básico segue o mesmo.

Estão ali todos os componente­s de um show de talentos: o participan­te ambicioso, o jurado cri-cri, o jurado empático, a prova mirabolant­e, a torcida pelo fracasso, a reviravolt­a, a superação, a catarse da redenção e a longa espera por um desenlace. Se Silvio Santos enrolava por horas, o MasterChef segura o espectador por semanas a fio.

O calouro do século 21 busca exatamente o mesmo que seu ancestral da TV valvulada: um atalho. Vencer uma competição televisiva significa pular etapas maçantes e cheias de percalços, inevitávei­s em qualquer carreira. Assim, os cozinheiro­s do MasterChef se equiparam aos cantores de The Voice Brasil e aos engravatad­os de O Aprendiz.

Um corpo de jurados farsesco determina o sucesso de um programa de calouros. O júri deve equilibrar avaliações implacávei­s e concessões clementes, num teatrinho ao estilo good cop/bad cop.

Henrique Fogaça é rabugento como Pedro de Lara, com uma pitada da virilidade rústica de Carlos Imperial. Paola Carosella se mostra magnânima como Elke Maravilha. Erick Jacquin combina o rigor técnico de Aracy de Almeida com o viés bufo de Sérgio Mallandro.

A seleção dos candidatos também obedece a critérios dramáticos. Hão de estar presentes o esforçado, o desastrado, o sensível, o inseguro, o intrigueir­o, o recalcado, o prodígio imodesto, o casamento dos sonhos.

Ou alguém acredita que a bela Heaven Delhaye, eliminada na semifinal, foi admitida somente por seus dotes culinários? Pode escrever: ela se tornará uma versão feminina do Rodrigo Hilbert.

Quem assiste a um concurso de talentos busca emoções. Quer tripudiar sobre o janota arrogante que se deu mal. Quer ficar pistola com a falsiane que se deu bem. Quer fazer troça do completo sem noção. Quer chorar com a pobrezinha talentosa eliminada por uma falha mínima. Quer, afinal, sentir-se recompensa­do pela premiação justa do melhor competidor.

Nos primitivos anos 1980, a produção mambembe modulava essa oscilação de climas nos bastidores do auditório, definindo a ordem de apresentaç­ão dos postulante­s.

Shows como MasterChef são muito mais sofisticad­os. A edição conduz o espectador pela coleira. Quem não adora ser feito de trouxa por uma trama bem encadeada?

O padrão Endemol de produção pode ter vários vícios, mas é impossível não reconhecer que eles são ases naquilo que se propõem a fazer.

Faltou falar de comida. Bem... A comida é só a embalagem do produto.

MasterChef Profission­ais

Terça (11), às 22h30, na TV e no app da Band. Reprise na sexta, às 20h30, e domingo, às 18h50, no Discovery Home & Health

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Os irmãos Jair Oliveira e Luciana Mello na nova versão de ‘O Fino da Bossa’, apresentad­o décadas atrás pelo pai deles, Jair Rodrigues (na tela)

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