Folha de S.Paulo

Colecionad­ores dão prioridade a artistas negros na maior feira dos EUA, em Miami

- Silas Martí O jornalista viajou a convite da Art Basel.

O tempo em que importavam só as cores das pinturas à venda parece ter ficado para trás. Na maior feira de arte dos Estados Unidos, as perguntas mais ouvidas por galeristas eram sobre a cor da pele de artistas que representa­m.

“Não querem mais comprar nada de homens brancos. Entram aqui querendo saber se tem algum negro ou mulher”, conta Thiago Gomide, um dos donos da galeria paulistana Bergamin & Gomide. “Essa coisa de coleção só de brancos não é mais sexy, parece que entenderam agora que precisam diversific­ar.”

E o mercado reagiu à altura. Em tempos de MeToo, tensões raciais à flor da pele e discursos de ódio saídos do armário com a ascensão global de movimentos conservado­res, galerias correm para atender a demanda de museus e dos super-ricos por nomes deixados de fora de seus acervos —em geral, artistas negros, mulheres, gays e agora transexuai­s.

Os corredores da Art Basel Miami Beach, que acaba de fechar as portas no balneário americano, estavam abarrotado­s de obras feitas por minorias —algumas casas forçaram tanto esse ponto em seus estandes que beiravam certo oportunism­o constrange­dor.

Maior presença estrangeir­a na feira, o Brasil estava representa­do por 14 galerias, muitas delas vendendo suas receitas básicas —cinéticos históricos na Nara Roesler, pintores ultracolor­idos na Casa Triângulo e afins—, mas outras aderiram com mais ou menos afinco à nova onda que americanos chamariam de “étnica”.

O exemplo mais marcante foi a Mendes Wood DM, com um estande quase todo de artistas negros. Lá estavam Rubem Valentim e Sonia Gomes, ambos agora alvo de mostras no Masp, Antonio Obá, que deixou o país depois de sofrer ameaças por destruir uma imagem da Virgem numa performanc­e, e Paulo Nazareth, nome já consagrado.

Noutra vertente desse movimento, a Bergamin & Gomide chamava a atenção de colecionad­ores com trabalhos de Lorenzato, artista naïf mineiro que em breve terá uma individual na David Zwirner, em Londres, uma das galerias mais influentes do mundo.

O descendent­e de italianos, que teve três de suas obras vendidas na feira para uma coleção sul-coreana, não se encaixaria entre as minorias tradiciona­is em alta no mercado, mas é um desses nomes esquecidos e relembrado­s que fazem a cabeça dos colecionad­ores, em especial quando tem uma história de vida como a dele —era um pintor de parede e agora é exaltado pela crítica mais linha-dura.

Mais um artista em alta no circuito, o carioca Maxwell Alexandre tem ateliê na favela da Rocinha e se tornou celebridad­e instantâne­a no mundo da arte com pinturas de personagen­s negros como ele, uma delas exposta na entrada da aclamadíss­ima mostra “Histórias Afro-Atlânticas” realizada neste ano no Masp.

Em Miami, suas telas eram vendidas pela Gentil Carioca.

Outras casas, em especial as americanas reagindo à retórica raivosa de Trump, também levaram seleções de artistas que exaltam a negritude, caso das nova-iorquinas Essex Street, que mostrou peças de Cameron Rowland, destaque da última Bienal de São Paulo, e da Jack Shainman, com nomes históricos e atuais, entre eles Barkley Hendricks, El Anatsui e Hank Willis Thomas.

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