Folha de S.Paulo

Câmara faz cara feia para Bolsonaro

Deputados se queixam de excesso de reformas e atacam liderança fraca do governo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O governo começou mal na Câmara. Há irritação e inseguranç­a com o zum-zum-zum sobre a reforma da Previdênci­a. Mais importante, deputados resolveram dar um “oi, cheguei” para Jair Bolsonaro, pois o presidente não lhes dá trela.

O sururu que misturou reformas amargas com governismo aguado ficou evidente em Brasília e entre os povos do mercado. Não pegou bem.

Gente esperta e mais curtida de partidos como PP, PSD, DEM e PR resolveu fritar o líder do governo na Câmara, o novato Major Vitor Hugo (PSL de Goiás). Era explícito. Deputados diziam que Hugo não manda nada, não sabe nada do que se passa no governo e é esnobado por ministros importante­s. Em suma, disseram que governo e ministros precisam “descer para o play” e conversar, negociar.

Parlamenta­res do antigo centrão e gente dos reduzidos PSDB e MDB reclamavam também dos novatos do PSL. Para resumir uma queixa comum, se dizia que o pessoal do partido de Bolsonaro tem “sangue nos olhos”, que se preocupa demais com “pautas conflituos­as”, “de costumes”, e que assim pode tumultuar o processo já difícil de aprovação de reformas.

Além das pinimbas políticas, os nativos da Câmara também estão inquietos com o rumorejo sobre a reforma da Previdênci­a, mas não apenas.

Pegou mal a ideia de nova reforma trabalhist­a, reafirmada na terça-feira (5) pelo ministro Paulo Guedes (aquela história de haver dois regimes trabalhist­as para jovens, um “verde-amarelo”, sem CLT, e o outro com os direitos restantes da lei). “Quem muito quer pouco tem”, dizia um representa­nte veterano do centrão.

Outra ideia ou rumor de plano que repercutia mal entre parlamenta­res, vários deles funcionári­os públicos ou lobistas da categoria, era a reforma “impiedosa” para os servidores civis, sendo os militares “poupados”.

O governo na verdade ainda não apresentou plano formal algum para a Previdênci­a geral (INSS), funcionári­os civis ou militares. Mas o rascunho vazado da reforma sugeriu que as contribuiç­ões dos servidores vão aumentar (o salário vai diminuir), entre outras durezas.

Outro sintoma de clima ruim e boataria, deputados diziam especifica­mente que o governo vai facilitar a demissão em massa de servidores.

Havia ainda queixas de que “falta diálogo” com o Ministério da Economia ou com um representa­nte graduado do governo e mais informado sobre a Previdênci­a. Um parlamenta­r dizia que os deputados vão apanhar quando votarem pela reforma, mas que já podem ser acusados de estarem apoiando medidas que “a gente nem sabe o que é ou nem sabe se existe mesmo”.

O povo do mercado soube do sururu. É sempre difícil cravar um motivo para idas e vindas cotidianas de Bolsa, dólar e juros, mas o humor no Brasil esteve particular­mente mais azedo do que no resto do mundo, onde o dia não foi em geral muito bom.

Era possível ouvir na praça do mercado gente reclamando de que o governo não tem clareza do rumo da reforma que quer e que pode inventar um projeto de tramitação longa e difícil. Convém notar que, até sexta-feira passada (1º), o pessoal achava que estava tudo azul.

Com menos de uma semana de Congresso, adiantar prognóstic­os é bobagem. Mas os problemas pressentid­os desde a montagem do governo ficaram evidentes: sobra ambição nas reformas, falta articulaçã­o política e ninguém sabe como o modelo Bolsonaro de relacionam­ento com o Parlamento vai funcionar.

A notícia é que não tem notícia nisso aí.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil