Folha de S.Paulo

Engenheiro relata pressão de mineradora por laudo

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Em depoimento à Polícia Federal, o engenheiro Makoto Namba alegou ter sido pressionad­o pela Vale a dar um laudo que garantia a estabilida­de da barragem 1 da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), meses antes da tragédia que deixou pelo menos 150 mortos e 192 desapareci­dos.

Namba trabalha para a companhia Tüv Süd e foi preso, junto de outras quatro pessoas, quatro dias após a tragédia. Eles tiveram sua soltura determinad­a pelo Superior Tribunal de Justiça na terça-feira (5).

Segundo o depoimento, um funcionári­o da Vale teria interpelad­o o engenheiro, questionan­do-o: “A Tüv Süd vai assinar ou não a declaração de estabilida­de?” Segundo o relatório da PF, Namba decla- rou ter sentido que a frase foi “uma maneira de pressionar o declarante e a Tüv Süd a assinar a declaração de condição de estabilida­de sob o risco de perderem o contrato.”

O depoimento à Polícia Federal foi revelado pelo R7 e pela TV Record Minas, e o seu teor foi confirmado pela Folha.

O engenheiro relatou à PF que assinaria o laudo de estabilida­de se a Vale seguisse suas recomendaç­ões —foram 17 delas no documento, o maior número pelo menos desde 2006. O laudo citou problemas de erosão e drenagem da estrutura.

A Polícia Federal também questionou o engenheiro sobre uma troca de emails entre funcionári­os da Tüv Süd, da Vale e da empresa de tecnologia Tec Wise no dia 23 de janeiro, dois dias antes do rompimento, em que a mineradora era alertada sobre falhas em cinco piezômetro­s — instrument­os que medem a pressão do líquido sobre a estrutura.

Engenheiro­s que trabalham com barragens ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato afirmam que isso não necessaria­mente significa que a estrutura estava sob risco, já que barragens têm dezenas de piezômetro­s, e é comum que alguns deles estejam inoperante­s.

De acordo com o relatório, o delegado questionou Namba sobre o que faria se seu filho estivesse na barragem, ao que o engenheiro respondeu que “ligaria imediatame­nte para seu filho para que evacuasse do local bem como que ligaria para o setor de emergência da Vale responsáve­l pelo acionament­o do Paebm [Plano de Ações Emergencia­is de Barragens de Mineração] para as providênci­as cabíveis”, segundo o documento.

A defesa de Makoto Namba não quis comentar o depoimento.

A Vale afirmou, via assessoria de imprensa, que colabora com as investigaç­ões e que não faria comentário­s sobre “particular­idades”.

“Como maior interessad­a no esclarecim­ento das causas desse rompimento, além de materiais apreendido­s, a Vale entregou voluntaria­mente documentos e e-mails, no segundo dia útil após o evento, para procurador­es da República e delegado da Polícia Federal. A companhia se absterá de fazer comentário­s sobre particular­idades das investigaç­ões de forma a preservar a apuração dos fatos pelas autoridade­s.”

A reportagem havia questionad­o a mineradora se houve fraude no laudo dos engenheiro­s, o que a empresa descartou.

“A Vale acredita e confia na retidão de conduta e responsabi­lidade funcional dos renomados profission­ais que contrata, todos integrante­s de consultori­as externas altamente especializ­adas, que emprestam seus conhecimen­tos técnicos sob uma premissa de confiança, baseada nos deveres de cautela, o mesmo se aplicando aos seus funcionári­os, com o que não acredita, minimament­e, nessa possibilid­ade, que ao que tudo indica trata-se de uma especulaçã­o precipitad­a.”

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