Folha de S.Paulo

Processos digitais e o direito de acesso à Justiça

Entraves com sistemas podem prejudicar usuários

- José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino Desembarga­dor decano do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e mestre em processo penal (USP)

Em tempos de passar o Brasil a limpo, a Justiça brasileira, com o escopo de agilizar demandas, criou o processo digital. Todavia, possui sistemas de processo eletrônico díspares que, embora sejam muitas vezes desenvolvi­dos e ofertados ao usuário pela mesma empresa —apresentan­do, assim, semelhança­s na execução, como o sistema SAJ, utilizado pelos Tribunais de Justiça dos estados da Bahia, Rio Grande do Norte, São Paulo, Ceará, Mato Grosso do Sul, Acre, Alagoas, Amazonas e Santa Catarina—, causam lentidão aos usuários, pois seus trâmites são diversos e burocrátic­os, mormente para aqueles neófitos nas coisas pertinente­s à informátic­a.

Alguns estados adotam o e-SAJ, enquanto a Justiça Federal abraça o sistema Projudi, cada qual exigindo cadastrame­nto próprio e apresentan­do peculiarid­ades —o que, em vez de auxiliar os operadores do direito, antes lhes dificulta.

Atualmente o causídico não pode se valer do último dia de prazo para peticionar nos autos, pois as inúmeras plataforma­s utilizadas pelos tribunais farão com que ele dispense tempo excessivo para se cadastrar em cada uma delas, o que fatalmente ensejará a perda do prazo, diante das intempérie­s da internet.

Os sistemas Projudi, PJE, e-SAJ, que, diga-se, são os mais utilizados, apresentam, como dito acima, tipos de cadastrame­ntos diversos, sendo que cada um dos tribunais oferece, via de regra, uma ferramenta para possibilit­ar a assinatura eletrônica de documentos, vale dizer, que cria acesso à linguagem daquele programa e que terá que ser instalada por meio de download; tais instalaçõe­s muitas vezes apresentam conflitos com o sistema operaciona­l do computador do usuário, dificultan­do a fluidez do trabalho.

Saliente-se que o problema aumenta de acordo com o tamanho do escritório do usuário; isto é, se a banca for diminuta, maior o problema. Esse é o samba do “crioulo doido”, pois diante da necessidad­e de instalar um software para possibilit­ar o reconhecim­ento de outro software para utilização do certificad­o digital, pode acontecer que as configuraç­ões do computador do usuário estejam aquém ou além do sistema reconhecid­o. Nesse passo, é mister que o usuário instale ou desinstale o programa auxiliar várias vezes, até acertar a mão.

Muito embora criado com a finalidade precípua de ampliar o acesso à Justiça e também dar ao processame­nto maior celeridade, certo é que alguns entraves que necessitam ser corrigidos foram surgindo: instabilid­ades no sistema; ferramenta­s de difícil compreensã­o para aqueles que não nutrem intimidade com a informátic­a; dificuldad­es na conferênci­a da autenticid­ade ou ilegibilid­ade dos documentos, o que dificulta também o trabalho do julgador e, não raro, compromete­m a compreensã­o sobre determinad­a prova documental.

Esses entraves —aliados à possibilid­ade de invasão dos sistemas pelos hackers, à impossibil­idade financeira de alguns operadores do direito em adquirir e manter equipament­os, sem contar a dificuldad­e de acesso à rede em comarcas longínquas—, se não vedam, dificultam o acesso à Justiça, que perde a celeridade e praticidad­e que nortearam a criação do processo eletrônico.

Destarte, seria necessária a adoção de um sistema integrado único com um portal nacional de peticionam­ento eletrônico, a fim de que se cumpra o art. 5º, XXXV, da Constituiç­ão Federal.

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Daniel Bueno

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