Futuro de Lula na prisão preocupa PF com soma de penas
Superintendente já fez ressalvas à permanência de petista em Curitiba e disse que lugar de preso é em penitenciária
Condenado em duas ações penais da Operação Lava Jato, e réu em outros seis processos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já acumula 25 anos em penas —e sua permanência na prisão preocupa a Polícia Federal.
O petista está detido na sede da superintendência da PF em Curitiba desde abril do ano passado.
Nesta semana, o atual superintendente da PF no Paraná, Luciano Flores de Lima, fez ressalvas à manutenção do ex-presidente no local.
“A polícia judiciária não foi feita para cuidar de preso. Presos têm que estar em penitenciárias ou casas de detenção provisória”, afirmou.
Agentes de outros estados têm sido destacados exclusivamente para fazer a custódia do ex-presidente, o que incomoda membros da instituição. O petista está em uma sala especial, separada da carceragem, que é monitorada 24 horas por dia.
“Cada instituição tem sua atribuição. A atribuição da PF é investigar”, disse Flores. “Se o poder judiciário decidir por [transferir Lula a] um lugar mais adequado, vai aliviar um pouco para os policiais que hoje estão dedicados à sua custódia.”
Lula foi condenado em duas ações até agora: a do tríplex e a do sítio de Atibaia, nesta quarta-feira (6), pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Se as penas forem mantidas nas segunda e terceira instâncias, o ex-presidente só teria direito de progredir para o regime semiaberto após quatro anos. Depois de passar ao semiaberto, ainda precisaria cumprir mais um sexto da pena restante para migrar ao regime aberto.
Mas Lula ainda é réu em outros seis processos, que podem gerar novas condenações e, consequentemente, aumentar o tempo para a progressão de regime.
Por ora, a PF não estuda pedir novamente à Justiça sua transferência para outro local, segundo Flores.
Esses pedidos já foram feitos no passado, logo após a prisão de Lula, e foram negados pela juíza Carolina Lebbos. Na época, a PF estimou que os gastos com a custódia do ex-presidente poderiam chegar a R$ 300 mil mensais.
Como alternativa, o Depen (Departamento Penitenciário do Paraná) ainda mantém uma sala que poderia ser destinada ao encarceramento de Lula, localizada no Complexo Médico-Penal do Paraná, na região metropolitana de Curitiba, onde estão outros presos da Lava Jato.
O local tem uma cama, mesa, uma televisão pequena e um banheiro com chuveiro e vaso sanitário. Fica na entrada da galeria onde estão os demais presos da operação, e costumava servir de local de descanso dos agentes penitenciários.
Para a advogada Isabel Kugler Mendes, membro do Conselho da Comunidade de Curitiba (órgão da execução penal), o presídio oferece condições melhores que a Polícia Federal. “Ele teria banho de sol, poderia conviver com outros presos. Para ele, para a saúde dele, seria totalmente diferente”, afirmou à Folha.
Mas o Ministério Público Federal entendeu, na época, que era “difícil afirmar a existência de outro lugar no estado do Paraná que possa garantir o controle das autoridades federais sobre as condições de segurança física e moral” do ex-presidente.
No cenário atual, em se mantendo as penas aplicadas até aqui, Lula só deixaria a prisão para o semiaberto em meados de 2022 e para o aberto no fim de 2025.
O ex-presidente fez 73 anos em outubro do ano passado. O fato de ter mais de 70 anos, porém, não faz diferença para a progressão de regime. “A idade entra como atenuante da pena na sentença. Mas, para progressão de regime, funciona igual aos outros”, diz o advogado Gustavo Polido, especialista em direito penal.
O petista ainda pode conseguir decisão favorável nos tribunais superiores: o STF (Supremo Tribunal Federal) deve voltar a julgar a prisão após segunda instância a partir de março, e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) analisa recurso da defesa contra a condenação no caso do tríplex.
Na avaliação de advogados ouvidos pela Folha, as chances da defesa de Lula são maiores no julgamento do STF. Caso a corte reverta o entendimento sobre a prisão em segunda instância, ele pode deixar a prisão.
As mudanças na legislação penal propostas no pacote anticrime do ministro Sergio Moro, a rigor, não alterariam a situação de Lula, já que a lei não retroage para prejudicar o réu, segundo o advogado criminalista Alessandro Silvério.
A prisão domiciliar, que costuma ser concedida para presos com condições críticas de saúde, não é uma opção para a defesa de Lula.
No ano passado, o advogado Sepúlveda Pertence chegou a pedir prisão domiciliar para o petista, mas acabou desautorizado por outros advogados, que entendem que a condenação é política.
Os defensores argumentam que Lula é alvo de uma perseguição judicial e recorreram à ONU (Organização das Nações Unidas) contra as decisões da Justiça brasileira.
A juíza federal Gabriela Hardt, que assumiu interinamente a Lava Jato no Paraná, mostrou em sentença expedida na quarta-feira (6) forte alinhamento com o seu ex-colega de vara federal Sergio Moro, que era responsável pelos casos da operação até novembro.
Na decisão que condenou o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia (SP), além de adotar a maior parte dos pilares de teses usadas no caso do tríplex de Guarujá (SP), julgado em 2017, ela até considera culpado um funcionário da OAS que tinha sido absolvido anteriormente por Moro de acusação parecida.
Em 2017, ao tratar de acusação contra o arquiteto da empreiteira OAS Paulo Gordilho, suspeito de lavagem de dinheiro por providenciar por parte da construtora tanto a reforma do tríplex quanto a do sítio, Moro disse que, sem um indício melhor de que ele soubesse que a benfeitoria tinha origem em acerto de corrupção, ele não deveria responder pelo caso, “por falta de prova do dolo”.
Agora, na sentença desta quarta-feira, Hardt disse que o arquiteto assumiu “o risco de produção” do crime.
“É clara a ciência da ilicitude envolvendo a realização e pagamento da reforma por parte de Paulo Gordilho.”
O arquiteto foi um dos 11 condenados na ação sobre a propriedade rural de Atibaia, mas teve pena fixada em apenas um ano de prisão.
Ao longo de 287 páginas da sentença do caso, Hardt defende a validade do depoimento de delatores, a existência de um “caixa geral de propinas” das empreiteiras e a regularidade da vara federal paranaense em julgar acusações relativas à Petrobras.
Esses três pontos são alguns dos mais criticados pela defesa do ex-presidente desde o tempo em que Moro ainda dirigia no Judiciário a operação.
A juíza rebate na sentença questionamentos dos advogados, que cobravam que a acusação especificasse o caminho do dinheiro desde os contratos da Petrobras até o benefício bancado ao ex-presidente.
“O dinheiro é fungível”, escreveu ela, usando expressão que foi usada por Moro no próprio caso do tríplex.
Outra afirmação de Hardt que lembra Moro trata dos depoimentos de colaboração que se tornaram importante base da decisão. “Delitos de corrupção não são cometidos publicamente, busca-se não deixar rastros e dificilmente é possível a comprovação por testemunhos que não os de pessoas a eles vinculados.”
No início da sentença, a juíza também se alinha a Moro ao negar pedidos de suspeição do ex-juiz feitos pela defesa do ex-presidente. Hardt diz que desde que assumiu o posto não observou nenhuma decisão proferida pelo antecessor que não tenha sido devidamente fundamentada, “afastando qualquer suspeita de vício que possa comprometer sua imparcialidade”.
Na fundamentação da sentença, a magistrada retoma linhas adotadas no caso do tríplex e menciona trechos dos votos dos juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que condenaram Lula em segunda instância no ano passado. Uma dessas teses é a de que o ex-presidente tinha papel fundamental no esquema de desvios na Petrobras e que recebeu favorecimento pessoal em troca dessa atuação.
Hardt até projetou um elo entre o caso que sentenciou com decisões já expedidas por Moro anteriormente. Ela escreveu que não havia como condenar nessa ação os ex-executivos da OAS Léo Pinheiro e Agenor Franklin Martins por corrupção porque esse mesmo crime já havia sido anteriormente objeto de sentença expedida pelo atual ministro da Justiça. Mas Lula, como não tinha sido incluído naquele outro processo, foi considerado culpado de crime de corrupção passiva.
Ao fim da decisão, Hardt também usa tom parecido com o de o Moro ao repreender Lula por cometer crimes enquanto foi presidente. “O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de presidente da República, de quem se exige um comportamento exemplar enquanto maior mandatário.”
A juíza foi interinamente indicada para assumir os processos da operação quando o atual ministro da Justiça decidiu deixar a magistratura, em novembro. O juiz curitibano Luiz Bonat foi o primeiro da lista em uma seleção interna e pode ser efetivado no posto já nas próximas semanas.