‘Não tem bala de prata contra crime’, diz diretor de entidade anticorrupção
Especialista apoia plano de Moro, mas defende nova relação do Estado com sociedade e mercado
Não existe bala de prata contra a corrupção. Mudar leis é muito importante, o pacote proposto pelo ministro Sergio Moro “representa um passo importante”, mas nenhum país conseguiu controlar esse problema só com ferramentas legais.
A avaliação é do economista Bruno Brandão, diretor-executivo no Brasil da Transparência Internacional, a mais respeitada instituição global voltada para políticas de combate à corrupção.
Segundo ele, o pacote acaba com o deserto de propostas que acompanhou a Lava Jato, nas não toca em pontos essenciais. “As medidas fundamentais devem transformar a relação do Estado com a sociedade e com o mercado.”
Foi com esse viés que a TI e a Fundação Getulio Vargas reuniram no projeto Novas Medidas contra a Corrupção, um compêndio de propostas de 300 instituições que, para Brandão, deve ser complementar ao projeto de Moro.
Qual a avaliação que a TI faz do pacote de Moro?
É um pacote amplo que mescla as agendas de enfrentamento ao crime organizado e à corrupção.
Só podemos avaliar as medidas anticorrupção. Sobre este tema, entendemos que o pacote representa um passo importante por trazer de volta ao debate público medidas de enfrentamento estrutural da corrupção. Apesar da preocupação da população, o que vimos nos últimos anos foi um deserto de propostas de reformas legais anticorrupção.
Qual a medida mais importante no combate à corrupção?
Não existe bala de prata contra este problema. É importantíssimo melhorar nossas leis e romper com a impunidade de réus poderosos. Mas país nenhum do mundo conseguiu controlar o problema apenas pela persecução penal. As medidas fundamentais devem transformar a relação do Estado com a sociedade e com o mercado.
São medidas que promovem governos transparentes e com amplo acesso à informação pública, a desburocratização, a responsabilização do setor privado e, não menos importante, a educação para uma cidadania participativa e ética. As Novas Medidas contra a Corrupção buscam essa abordagem múltipla e com forte ênfase na prevenção. É importante que ambos os pacotes sejam levados em conta durante a tramitação no Congresso e se complementem.
Há críticas ao provável aumento da população carcerária num país que tem o terceiro maior contingente de presos do mundo. Nosso sistema judiciário é disfuncional nas duas pontas. Por um lado, é extremamente leniente e incapaz de punir réus poderosos. Por outro, encarcera e viola direitos e garantias básicas da população de baixa renda. Qualquer medida que busque atacar o problema no andar de cima deve cuidar para não agravá-lo no andar de baixo. Contudo, não podemos descuidar da impunidade da grande corrupção, pois ela está por trás das nossas maiores mazelas sociais.
Medidas que endurecem penas e a gravação de advogados já foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo. Vale a pena reduzir
proteções constitucionais?
Os advogados só poderão ser monitorados com autorização judicial, como já ocorre. Entendo que a medida não reduz a proteção constitucional, mas busca um maior controle para que esse direito não seja corrompido para favorecer o crime.
O que se deve cuidar, sempre, é da aplicação da norma, coibindo abusos. Se quisermos levar a sério a defesa de proteções constitucionais, devemos é reformar com urgência esse sistema desumano e absolutamente corrupto.
O projeto de Moro prevê o regime fechado para crimes de corrupção. Não é exagero, já que o Supremo considerou inconstitucional medida similar?
Existe uma decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de um dispositivo semelhante na Lei de Crimes Hediondos, mas a medida que foi proposta agora se diferencia porque estabelece exceções a partir de critérios como o valor da coisa apropriada e antecedentes criminais.
Ainda assim, acredito que uma solução melhor é a proposta das Novas Medidas, que estabelece um aumento das penas para os crimes de corrupção de altos valores. O aumento da pena mínima resultaria em uma progressão de regime também mais dura.