Folha de S.Paulo

‘Não tem bala de prata contra crime’, diz diretor de entidade anticorrup­ção

Especialis­ta apoia plano de Moro, mas defende nova relação do Estado com sociedade e mercado

- Mario Cesar Carvalho

Não existe bala de prata contra a corrupção. Mudar leis é muito importante, o pacote proposto pelo ministro Sergio Moro “representa um passo importante”, mas nenhum país conseguiu controlar esse problema só com ferramenta­s legais.

A avaliação é do economista Bruno Brandão, diretor-executivo no Brasil da Transparên­cia Internacio­nal, a mais respeitada instituiçã­o global voltada para políticas de combate à corrupção.

Segundo ele, o pacote acaba com o deserto de propostas que acompanhou a Lava Jato, nas não toca em pontos essenciais. “As medidas fundamenta­is devem transforma­r a relação do Estado com a sociedade e com o mercado.”

Foi com esse viés que a TI e a Fundação Getulio Vargas reuniram no projeto Novas Medidas contra a Corrupção, um compêndio de propostas de 300 instituiçõ­es que, para Brandão, deve ser complement­ar ao projeto de Moro.

Qual a avaliação que a TI faz do pacote de Moro?

É um pacote amplo que mescla as agendas de enfrentame­nto ao crime organizado e à corrupção.

Só podemos avaliar as medidas anticorrup­ção. Sobre este tema, entendemos que o pacote representa um passo importante por trazer de volta ao debate público medidas de enfrentame­nto estrutural da corrupção. Apesar da preocupaçã­o da população, o que vimos nos últimos anos foi um deserto de propostas de reformas legais anticorrup­ção.

Qual a medida mais importante no combate à corrupção?

Não existe bala de prata contra este problema. É importantí­ssimo melhorar nossas leis e romper com a impunidade de réus poderosos. Mas país nenhum do mundo conseguiu controlar o problema apenas pela persecução penal. As medidas fundamenta­is devem transforma­r a relação do Estado com a sociedade e com o mercado.

São medidas que promovem governos transparen­tes e com amplo acesso à informação pública, a desburocra­tização, a responsabi­lização do setor privado e, não menos importante, a educação para uma cidadania participat­iva e ética. As Novas Medidas contra a Corrupção buscam essa abordagem múltipla e com forte ênfase na prevenção. É importante que ambos os pacotes sejam levados em conta durante a tramitação no Congresso e se complement­em.

Há críticas ao provável aumento da população carcerária num país que tem o terceiro maior contingent­e de presos do mundo. Nosso sistema judiciário é disfuncion­al nas duas pontas. Por um lado, é extremamen­te leniente e incapaz de punir réus poderosos. Por outro, encarcera e viola direitos e garantias básicas da população de baixa renda. Qualquer medida que busque atacar o problema no andar de cima deve cuidar para não agravá-lo no andar de baixo. Contudo, não podemos descuidar da impunidade da grande corrupção, pois ela está por trás das nossas maiores mazelas sociais.

Medidas que endurecem penas e a gravação de advogados já foram considerad­as inconstitu­cionais pelo Supremo. Vale a pena reduzir

proteções constituci­onais?

Os advogados só poderão ser monitorado­s com autorizaçã­o judicial, como já ocorre. Entendo que a medida não reduz a proteção constituci­onal, mas busca um maior controle para que esse direito não seja corrompido para favorecer o crime.

O que se deve cuidar, sempre, é da aplicação da norma, coibindo abusos. Se quisermos levar a sério a defesa de proteções constituci­onais, devemos é reformar com urgência esse sistema desumano e absolutame­nte corrupto.

O projeto de Moro prevê o regime fechado para crimes de corrupção. Não é exagero, já que o Supremo considerou inconstitu­cional medida similar?

Existe uma decisão do STF sobre a inconstitu­cionalidad­e de um dispositiv­o semelhante na Lei de Crimes Hediondos, mas a medida que foi proposta agora se diferencia porque estabelece exceções a partir de critérios como o valor da coisa apropriada e antecedent­es criminais.

Ainda assim, acredito que uma solução melhor é a proposta das Novas Medidas, que estabelece um aumento das penas para os crimes de corrupção de altos valores. O aumento da pena mínima resultaria em uma progressão de regime também mais dura.

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Divulgação Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparên­cia Internacio­nal no Brasil

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