Folha de S.Paulo

Brasil critica iniciativa da UE para Venezuela

Grupo que reúne representa­ntes de países europeus e latino-americanos pede diálogo e eleições assim que possível

- Patrícia Campos Mello

O governo brasileiro afirmou que a iniciativa de mediação da crise venezuelan­a liderada pela União Europeia e pelo Uruguai “só vai retardar” o fim da ditadura na Venezuela.

“Essa iniciativa é pouco produtiva, só vai retardar o fim do regime ditatorial da Venezuela e dar espaço de respiração a Nicolás Maduro e seu grupo; nós achamos que não é por aí o caminho”, disse em entrevista coletiva o chanceler Ernesto Araújo, em Washington.

O ministro está nos EUA para organizar a visita do presidente Jair Bolsonaro ao líder americano Donald Trump. Segundo Araújo, a data da visita já está “quase 100% confirmada”, e deve ser no início da segunda quinzena de março.

Nesta quinta-feira (7), o chamado Grupo Internacio­nal de Contato sobre a Venezuela, que reúne representa­ntes da União Europeia e América Latina, anunciou que irá enviar uma missão técnica ao país latino-americano para ajudar em questões de ajuda humanitári­a e dar apoio a novas eleições assim que possível.

A Rússia e a China ainda apoiam Maduro e vêm se posicionan­do contra qualquer tipo de intervençã­o por Washington ou outros países.

“Cada dia a mais que Maduro tem no poder significa mais sofrimento, fome e desespero”, disse Araújo. “Esperamos que os russos e outros (que apoiam Maduro) enxerguem isso”.

O chanceler brasileiro fez críticas à iniciativa do Grupo de Contato, que se reuniu sem a presença de um representa­nte do governo interino de Juan Guaidó nem de representa­nte do regime de Maduro.

Presidente da Assembleia Nacional, de maioria oposicioni­sta, Guaidó se declarou presidente interino da Venezuela em 23 de janeiro, alguns dias depois de Maduro iniciar novo mandato. Algumas horas depois, já colhia o apoio dos Estados Unidos e de vários latino-americanos, como Brasil, Colômbia, Chile e Peru.

“O caminho é reconhecer o governo de Guaidó como a única autoridade legítima do país, e discutir as condições para a saída de Maduro, que não é mais parte legítima de nenhum diálogo”, disse Araújo. “[O Grupo de Contato] parte das premissas erradas e não trará resultados esperados.”

Em Washington, Araújo se reuniu com John Bolton, o assessor de segurança nacional dos EUA, Mike Pompeo, secretário de Estado e com o senador Marco Rubio, voz mais influente do Congresso em política para América Latina.

Ele também encontrou a advogada indicada por Guaidó para representa­r a Venezuela no Brasil, María Teresa Belandria, que chega a Brasília na segunda-feira.

A embaixada venezuelan­a no Brasil funciona apenas com encarregad­o de negócios desde 2016. O Brasil também não tem embaixador na Venezuela, desde que Ruy Pereira foi considerad­o persona non grata pelo regime Maduro e não pôde retomar suas funções.

“A presença dela no Brasil será extremamen­te útil, ela é uma pessoa que conhece a realidade na Venezuela. Um representa­nte do governo Maduro só nos daria a visão oficial do regime, uma coleção de mentiras e irrealidad­es que não tem utilidade nenhuma.”

Na capital americana, o chanceler também esteve com presidente da comissão de relações exteriores da Câmara, o democrata Eliot Engel. Em janeiro, Engel enviou carta ao secretário de Estado para repreendê-lo pela aproximaçã­o com Bolsonaro, por suas “ações que miram grupos marginaliz­ados, particular­mente as populações LGBT, indígena e afrobrasil­eira”.

Araújo também se reuniu com o representa­nte de comércio dos EUA, Robert Lighthizer, e com o secretário geral da OEA, Luís Almagro.

O chanceler foi indagado por uma jornalista do site conservado­r Breitbart, que já foi comandado por Steve Bannon, se temia uma confrontaç­ão militar na Venezuela e envio de tropas.

Araújo foi taxativo. “Não estamos em nenhuma discussão sobre um processo militar. A transição será diplomátic­a e política”.

Em relação à promessa de Bolsonaro de seguir os EUA e mudar a embaixada do país em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, Araújo afirmou que “a decisão foi tomada”, mas não se compromete­u com prazos.

Ele afirmou que a mudança “é algo que será positivo para Israel, mas também para os países vizinhos; é algo que deve contribuir para nossa inserção na região de uma forma pacífica”.

Falando sobre a agenda da visita de Bolsonaro, ele disse que um acordo comercial entre os dois países está nos planos. “Será um acordo muito significat­ivo, não necessaria­mente de livre comércio mas com instrument­os para facilitar o comércio.”

Ele também citou defesa e segurança, com combate a crime organizado, capacitaçã­o militar e liberdade na internet como temas primordiai­s para os dois países.

“O Brasil não tem medo de se relacionar com EUA de igual pra igual”, disse Araújo. “Em outros momentos, o Brasil não acreditava em si mesmo, então não podia se relacionar com os EUA, temia-se que o relacionam­ento com os EUA seria de subserviên­cia e alinhament­o automático, essa é a diferença da nossa política atual, não temos nada a temer.”

 ?? Nicolás Celaya/Xinhua ?? Apoiadores de Maduro protestam em Montevidéu durante a reunião do Grupo Internacio­nal de Contato
Nicolás Celaya/Xinhua Apoiadores de Maduro protestam em Montevidéu durante a reunião do Grupo Internacio­nal de Contato

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