Folha de S.Paulo

Cabo Verde liberta brasileiro­s após 18 meses

Velejadore­s Daniel Guerra, Rodrigo Dantas e Daniel Dantas haviam sido condenados a dez anos de prisão por tráfico

- João Pedro Pitombo e Paula Sperb

Depois de terem ficado 18 meses presos em Cabo Verde sob acusação de tráfico internacio­nal de drogas, os velejadore­s brasileiro­s Daniel Guerra, Rodrigo Dantas e Daniel Dantas foram soltos no início da tarde desta quinta-feira (7).

Os velejadore­s, que estavam presos desde 2017, agora aguardarão em liberdade os próximos trâmites do processo na Justiça cabo-verdiana. O processo segue em primeira instância, sem indicativo de data de novo julgamento.

“A decisão foi com base em um direito humano que é a presunção de inocência e não condiciono­u que eles permaneçam em Cabo Verde. Vamos empreender esforços para que eles consigam voltar ao Brasil o quanto antes”, afirma o advogado Paulo Oliveira, que representa os velejadore­s.

Os brasileiro­s foram recebidos na porta da cadeia pública São Vicente por suas respectiva­s famílias, que nos últimos meses estavam morando em Cabo Verde para acompanhar o desenrolar do processo.

A libertação dos velejadore­s acontece três semanas depois de a Justiça de Cabo Verde ter anulado julgamento que condenou velejadore­s a dez anos de prisão. A decisão reconheceu que houve violações à garantia de defesa dos réus e determinou a realização de um novo julgamento.

Os três velejadore­s saíram em viagem em julho de 2017, atendendo ao recrutamen­to de uma companhia de entregas internacio­nais para conduzir uma embarcação de Salvador até Portugal. No casco, porém, estava escondida uma tonelada de cocaína, que foi descoberta quando a equipe teve que atracar em Cabo Verde. A droga foi avaliada em cerca de € 200 milhões (R$ 894 milhões).

Os brasileiro­s, assim como o comandante da embarcação, o francês Olivier Thomas, afirmam que desconheci­am a existência da droga. Todos foram inocentado­s no inquérito da Polícia Federal brasileira.

O dono do veleiro, o inglês George Edward Saul, que os contratou para o serviço, desistiu da viagem na última hora e foi de avião até Portugal.

Ele, que foi apontado pela PF como “a ‘ponta’ europeia do grupo criminoso [de tráfico de drogas]”, não é investigad­o no processo que corre em Cabo Verde.

Uma série de controvérs­ias são apontadas pela defesa dos velejadore­s no processo que correu na Justiça caboverdia­na.

Foram desconside­radas testemunha­s brasileira­s, além da própria investigaç­ão feita pela Polícia Federal brasileira que apontava que os velejadore­s desconheci­am o transporte da droga.

Também foi questionad­o o fato de sentença ter sido impressa em papel com a marca d’água do personagem Zorro, em vez do símbolo oficial do Judiciário (o documento foi corrigido após intervençã­o dos advogados).

Na decisão que anulou o julgamento, o tribunal de Cabo Verde reconheceu que o juiz Antero Lopes Tavares, que condenou os velejadore­s em março do ano passado, não poderia ter negado o pedido dos réus para ouvir testemunha­s. Os juízes decidiram pela nulidade do despacho e determinar­am que as testemunha­s sejam ouvidas e, então, um novo julgamento seja realizado.

Daniel Guerra, um dos três brasileiro­s soltos, comemorou nesta quinta a saída da cadeia em Cabo Verde.

“Liberdade! Estou com os pés para fora”, disse Guerra por telefone ao conversar com sua mãe, Fátima Guerra.

Ela e o pai do rapaz, Télio Carlos Guerra, se mudaram para Cabo Verde, onde ficaram vivendo por quase um ano para acompanhar o filho, acusado de tráfico internacio­nal. Segundo a família, ele foi enganado junto com os outros brasileiro­s.

“Ele passou todo esse tempo lá, inocente, sofrendo uma tristeza enorme por essa injustiça. Mas ele nunca perdeu a fé em Deus e a alegria de viver, sempre com aquele sorriso nos lábios, um menino de ouro”, disse Fátima à Folha.

O casal vendeu bens e alugou um apartament­o em Cabo Verde para poder visitar o filho duas vezes por semana na prisão. Nos outros dias, levavam comidas e frutas.

Eles retornaram ao Brasil em dezembro devido a uma apendicite sofrida por Fátima. “Se estou viva é porque desejava muito ver meu filho sair da prisão”, disse, lamentando não ter estado junto ao filho no momento da liberação.

Em julho do ano passado, quando foi a Cabo Verde para a reunião dos líderes da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o então presidente Michel Temer teve encontro reservado com seu homólogo cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, em que pediu mais atenção para o caso dos velejadore­s.

“Eu dei uma palavra [com o presidente de Cabo Verde] sobre os brasileiro­s que estão detidos aqui. Claro, com todas as cautelas diplomátic­as, para dizer que esta é uma questão que diz respeito ao Estado cabo-verdiano”, disse Temer, que classifico­u a manifestaç­ão como “uma lembrança [aos cabo-verdianos] de que estamos preocupado­s com isso”.

“Ele passou todo esse tempo lá, inocente, sofrendo uma tristeza enorme por essa injustiça. Mas nunca perdeu a fé em Deus Fátima Guerra mãe de Daniel Guerra

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Elvis Carvalho Daniel Guerra, Rodrigo Dantas e Daniel Dantas são soltos no Cabo Verde

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