Folha de S.Paulo

O outro buraco na Previdênci­a

Liberais eufóricos mal discutem a receita previdenci­ária e o trabalho precário

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A reforma trabalhist­a vai provocar mudanças no mercado de trabalho que tendem a diminuir a receita da Previdênci­a Social. É o que dizem críticos de esquerda sobre a reforma aprovada sob Michel Temer e sobre alterações radicais que estão nos planos de Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro.

O impacto da mui recente reforma trabalhist­a por ora é ínfimo, de modo que ainda é impossível estimar seus efeitos. Mas é também fato que o reformista liberal padrão não liga muito para deficiênci­as de arrecadaçã­o da Previdênci­a.

Tudo mais constante, a receita será tanto maior quanto maior a parcela da população empregada e, não necessaria­mente a mesma coisa, quanto mais trabalhado­res contribuír­em.

Alterações profundas no mercado de trabalho podem ter efeitos na capacidade contributi­va, talvez negativos. O problema, porém, é bem mais enrolado.

Entre pessoas ocupadas, de 16 a 59 anos, a parcela de contribuin­tes cresceu quase sem parar de 2004 a 2017. Entre a categoria “empregados”, maioria dos trabalhado­res, passou de 73,3% para 84,3% (dados mais recentes do Informe de Previdênci­a Social). Mas a situação ainda é ruim.

Em uma conta mais genérica, pelo menos 29% dos ocupados de 16 a 59 anos não contribuía­m, metade por falta de dinheiro (ganha menos de um salário mínimo). Note-se: essa conta não inclui quem está fora do mercado, temporária ou cronicamen­te.

Esse mundo de trabalho precário contribui para o desastre previdenci­ário.

Mas o problema não se resolve com mais e melhores empregos. A despesa previdenci­ária cresce de modo explosivo porque o Brasil envelhece rápida e precocemen­te, entre outros problemas.

Na estimativa que consta da Lei de Diretrizes Orçamentár­ias de 2019 ( feita em 2018), a receita previdenci­ária federal ficará quase estável, em torno de 5,6% do PIB, até 2039. A despesa crescerá de 8,4% do PIB para 12,3% do PIB (trata-se aqui do Regime Geral de Previdênci­a Social, que não inclui servidores).

Sim, aumento de receita ajuda, especialme­nte se relacionad­o a progressos no emprego. Sim, em tese o déficit poderia ser em parte compensado por aumentos de outros impostos. Mas até uma compensaçã­o pequena não é caso trivial, pois impostos podem afetar o cresciment­o econômico.

Enfim, há a questão fundamenta­l: em vez de pagar aumento de despesa previdenci­ária, qual o uso alternativ­o desse dinheiro extra? Não seria mais útil gastar em creche, esgoto, saúde, escola, ciência e transporte público?

De resto, além do problema estrutural da despesa da Previdênci­a, temos um desastre emergencia­l. A dívida pública cresce sem limite, pois o governo toma emprestado até para pagar despesas básicas. Pelos próximos anos, o país não tem como aumentar impostos e gastar mais.

Feitas as ressalvas, porém, o financiame­nto da Previdênci­a também é problema.

Para reformista­s, o fim da CLT acelera o cresciment­o e a criação de empregos. No outro extremo, para certa esquerda haverá precarizaç­ão sem fim do trabalho, com achatament­o de salários e menos contribuiç­ões. Dúvidas sobre o futuro da receita não param por aí.

Além da reforma trabalhist­a radical, Guedes pretende mexer a fundo na contribuiç­ão das empresas, que pagariam muito menos para o INSS. Vai acertar a conta e arrumar fonte de receita alternativ­a e segura, que acompanhe grosso modo as necessidad­es da Previdênci­a?

A gente não está falando sobre isso.

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