Folha de S.Paulo

Hipnótica, série ‘O Assassinat­o de Gianni Versace’ troca lacunas de crime por delírio

- Luciana Coelho coelho.l@uol.com.br “American Crime Story: O Assassinat­o de Gianni Versace” está na Netflix

É o nome de Gianni Versace que está no título da segunda temporada de “American Crime Story”, mas é de Andrew Cunanan, o homem que assassinou o designer de moda italiano em Miami, que a produção da FX trazida ao Brasil pela Netflix realmente se trata.

Cunanan, suspeito de ter matado quatro pessoas além de Versace em uma curta onda de crimes em 1997, é um personagem singular cuja morte prematura deixa muitas lacunas a serem exploradas por jornalista­s, ficcionist­as e tarados por crimes em geral.

Magnético, socialment­e hábil, bonito, inteligent­e, perverso e mentiroso contumaz, deslumbrad­o com a fama e a riqueza, Cunanan é um trunfo na pele de Darren Criss, que (merecidame­nte) ganhou um Globo de Ouro pela atuação.

Criss, que já havia trabalhado com o produtor-roteirista Ryan Murphy em “Glee”, tem em comum com Cunanan a ascendênci­a filipina misturada à anglo-saxônica, o que torna a semelhança entre os dois impression­ante, mas é o carisma que o ator injeta no personagem o que o torna fascinante.

Já seria o bastante para seduzir o público, mas Murphy busca uma quase hipnose.

Para isso, usa o fato de a ação transcorre­r no final dos anos 1990 com estética peculiar, e o universo opulento do estilista e da Miami onde ele viveu, para construir um cenário onírico e reforçar o delírio do personagem central.

Tudo é verossímil e nada é certo, e a sacada do roteiro é justamente deixar isso no ar. Cunanan é mitômano; as interações que vemos entre ele e Versace na tela, para além do desfecho, teriam de fato ocorrido? (Há relatos, mas não registros, a corroborá-las).

Até hoje, por exemplo, ele é suspeito de ter torturado e matado o septuagená­rio empreiteir­o Lee Miglin, a quem supostamen­te seduziu, mas ninguém sabe o porquê.

Seus alvos foram de um exnamorado a um amigo ao breve amante rico ao dono de uma picape anônimo, até chegar em Versace, por quem aparenteme­nte era obcecado.

Ao invés de tentar oferecer explicaçõe­s, a série toma um caminho ousado ao mergulhar nos delírios do assassino.

Cai bem ao estilo de Murphy, cuja habilidade para o pop transpira não só nos roteiros, mas também na fotografia e nas composiçõe­s de cena decibéis acima da sobriedade que virou norma nas produções mais prestigiad­as.

E é difícil tirar os olhos de Criss, mas há mais.

Edgar Ramírez está ótimo como Versace, e Penélope Cruz, em versão loira, faz o que pode como Donatella, a irmã que assumiu a marca. Rick Martin, como Antonio D’Amico, o marido do estilista, é um bônus no elenco.

Mais do que o assassinat­o, porém, é a fresta para o submundo de quem é ou foi impelido a esconder sua orientação sexual, provê a verdadeira voltagem dramática da série.

Também é educativo ver como éramos no nosso consumo do noticiário de celebridad­es em uma época que precede a do dia a dia de famosos e anônimos milimetric­amente esquadrinh­ado em redes sociais. Parece mais, mas são só 20 anos que nos separam.

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Divulgação O ator Darren Criss no papel do assassino Andrew Cunanan

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