Folha de S.Paulo

Sem urso de DiCaprio, diretor dá jeitinho brasileiro

- Rodrigo Salem

No fim de semana em que parte dos Estados Unidos sofria com as baixas temperatur­as de um vórtice polar, o diretor brasileiro Joe Penna lançava no país seu primeiro longa-metragem —coincident­emente um drama de sobrevivên­cia no Polo Norte. “Espero que isso não afaste as pessoas do cinema”, disse Penna.

Mas “Arctic”, protagoniz­ado pelo dinamarquê­s Mads Mikkelsen (“A Caça”), obteve a segunda melhor média das bilheteria­s do fim de semana —perdendo para o alemão “Nunca Deixe de Lembrar”, indicado ao Oscar de filme estrangeir­o.

A coprodução de Estados Unidos e Islândia, com orçamento de US$ 2 milhões (cerca de R$ 7,5 mi), estreou em quatro cinemas com média de US$ 14 mil por sala.

Morando nos EUA desde os 12 anos, o paulista Jônatas de Moura Penna, 31, ficou conhecido pelo pseudônimo MysteryGui­tarMan, uma das primeiras sensações do YouTube, em 2006.

O sucesso na plataforma fez Penna abandonar o sonho de virar cirurgião torácico para se dedicar a vídeos criativos, algo que lhe garantiu três milhões de assinantes e convites para dirigir clipes para o DJ Avicii e comerciais.

A ideia de um homem lutando pela sobrevivên­cia em um local onde a vida é quase impossível estava com o diretor desde 2015, mas o cenário era outro. “O filme se passava em Marte, mas Ridley Scott estava fazendo ‘Perdido em Marte’ e não gostaria de ver uma trama tão parecida. Quem vai se meter com Ridley Scott?”, brinca Penna, que reescreveu a história para o Ártico e conseguiu a adesão de Mikkelsen.

“Não achava que um ator que havia acabado de filmar ‘Star Wars - Rogue One’ toparia um projeto tão barato de um estreante”, conta o diretor. “Tinha 15 minutos para convencê-lo a fazer o projeto, mas a conversa por vídeo demorou três horas e, no fim, ele falou que atuaria.”

“Arctic” foi filmado em 19 dias no fim do inverno da Islândia, quando a equipe de 150 pessoas enfrentou nevascas, frio de 17 graus negativos e ventos que chegaram a arrancar portas de carros da produção. “Jogamos fora o cronograma e disse para a equipe se preparar para rodar qualquer cena, dependendo do clima do dia”, lembra ele.

Ironicamen­te, a cena mais complicada do drama gelado foi capturada semanas após o fim das filmagens. Nela, Mikkelsen (em busca de resgate para uma mulher gravemente ferida) se protege em um iglu atacado por um urso polar.

A ideia dos produtores era recriar o animal em computação gráfica com os técnicos de efeitos de “O Regresso”. “Falei que tinha um orçamento de US$ 2 mi e me disseram que era possível fazer por pouco abaixo desse valor. Respondi: ‘Não, isso é o que tenho para o filme inteiro’”, relembra Penna.

A maioria dos cineastas teria cortado a sequência, mas Penna não desistiu. Encontrou um treinador no Canadá que fez a cena por um valor mínimo por ser fã de Mikkelsen.

Nessa gambiarra, Penna precisou atuar como dublê do seu astro, pois a ursa não aceitava muita gente no set. “Era uma diva. Ela tinha tanto ciúmes do treinador que eu não podia falar com ele, precisava passar recados pela mulher”, recorda-se o cineasta.

A perseveran­ça valeu a pena. “Arctic” foi convidado do último Festival de Cannes e ganhou elogios dos críticos.

A aventura abriu as portas de Hollywood para Penna, que vai para a Alemanha filmar a ficção científica “Stowaway”, com Anna Kendrick e Toni Collette. Além disso, fechou um contrato de preferênci­a com o Topic Studios, que passa a ter direitos de comprar seu projetos.

Mas seu grande desejo ainda não foi concretiza­do: sem distribuid­ora, “Arctic” está sem data no Brasil. “Quero que minha família e meu povo vejam”, diz. “Sempre tive apoio no país. É algo importante para mim.”

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O diretor brasileiro Joe Penna nas gravações do drama de sobrevivên­cia ‘Arctic’

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