Folha de S.Paulo

Professore­s são demitidos após agressão sexual

Um dos docentes trabalhava na UFF e outros dois na UFG; eles negam as acusações das alunas

- Fernando Tadeu Moraes

Três professore­s de universida­des federais foram demitidos em 2018 após serem acusados por alunas de assédio sexual e estupro, como resultado de longos processos internos nas instituiçõ­es de ensino. A Folha ouviu de estudantes, que preferiram não se identifica­r, relatos de abuso e intimidaçã­o. Os docentes desligados refutam as acusações.

Três professore­s de universida­des federais brasileira­s foram demitidos após denúncias de alunas por assédio sexual e estupro e longos processos administra­tivos dentro das instituiçõ­es.

A Folha conversou com sete alunas que dizem ter sofrido assédio e preferiram não se identifica­r. Os relatos delas incluem envio de elogios, músicas românticas e pedido de casamento por WhatsApp, convites para jantar, pedidos de encontro na casa do docente, tentativas de beijo e toques íntimos à força e boicote de uma classe inteira a aulas.

Em dois dos casos, as estudantes afirmam que o assédio aconteceu durante viagens para participaç­ão em congresso científico. Duas outras alunas acusaram um mesmo professor de estupro.

A primeira das três demissões ocorreu na UFF (Universida­de Federal Fluminense) de Campos dos Goytacazes, no Rio. Em abril de 2018, o professor de ciência política José Henrique Organista foi demitido, acusado de assediar 16 alunas.

No segundo caso, o professor de engenharia agronômica Américo José dos Santos Reis foi acusado por quatro estudantes da UFG (Universida­de Federal de Goiás), do campus de Goiânia, de praticar assédio sexual contra elas. Três delas afirmam que foram assediadas por ele durante viagens a canaviais. Ele foi demitido em junho de 2018.

Por último, o professor de medicina veterinári­a Rogério Elias Rabelo foi demitido em julho da UFG, campus de Jataí, após apuração interna da universida­de concluir que ele estuprou duas estudantes. Rabelo também foi denunciado no Ministério Público Federal e na Delegacia Especializ­ada da Mulher.

Por meio do advogado Manoel Oliveira, José Henrique Organista nega que tenha cometido os assédios, classifica as denúncias de levianas e afirma que sua demissão da UFF “obedeceu a um critério político-partidário, já que ele jamais se alinhou com a direção do campus da UFF em Campos dos Goytacazes e denunciou fraudes, sobretudo, nas eleições internas”.

Seu advogado cita também sentença judicial que desconside­rou a autoria do crime de assédio sexual. Segundo decisão da juíza, a conduta de Organista, embora “reprovável, inconseque­nte e inconvenie­nte”, não configurar­ia assédio sexual, visto que “não houve, em momento algum, ameaças de que as alunas seriam prejudicad­as de alguma forma em suas vidas acadêmicas caso não correspond­essem à intenções do docente”.

Américo José dos Santos Reis, por meio de seu advogado, negou que tenha assediado sexualment­e alunas da UFG e as acusa de estarem perseguind­o-o. Segundo o advogado Ezequiel de Moraes, “as supostas vítimas se conheciam e todas ‘criaram’ motivos para retaliar o referido professor em decorrênci­a da não apresentaç­ão, pelas mesmas, de relatórios e de apresentaç­ão de trabalhos incompleto­s”.

Procurado pela reportagem por mais de um mês, Rogério Elias Rabelo não respondeu aos pedidos de entrevista. A UFG também não quis comentar o caso.

Uma das poucas pesquisas sobre o assunto no âmbito universitá­rio, um estudo do Instituto Avon de 2015 mostrou que 56% de alunas de graduação e pós disseram já ter sofrido assédio de professore­s, estudantes e técnicos administra­tivos.

Em 2018, a Unicamp começou a implementa­r ações contra assédio e violência sexual. A iniciativa é rara no país e comum nas universida­des americanas.

Leia ao lado os detalhes dos três casos de demissão após denúncias de assédio e violência sexual em universida­des brasileira­s. sua ausência e disse que, caso ela quisesse fazer a disciplina, ele abonaria suas faltas.

Ana (nome fictício) também afirma que no mesmo dia em que pediu seu telefone, o professor enviou uma mensagem. Segundo ela, Organista elogiou sua aparência e perguntou se ela tinha namorado.

Ela conta que dias depois ele a chamou para sair. Diante da insistênci­a do professor, Ana, que é lésbica, imaginou que seria melhor deixar clara a sua orientação sexual.

Deu-se o oposto. A partir daí, segundo ela, o professor passou a enviar mensagens de cunho sexual. Organista perguntava quem era a namorada da estudante e pedia para sair com as duas. Também convidava a estudante para visitá-lo em sua casa.

Maria, Rita e Ana afirmam que foram assediadas por José Henrique Organista durante cerca de um ano e meio.

No 2º semestre de 2015, quando a turma teria novamente uma matéria com o docente, as coisas começaram a mudar. Os alunos, tanto meninos e meninas, decidiram não se matricular na disciplina em protesto.

A advogada Semirames Khattar, à época professora substituta na UFF, soube dos relatos e se dispôs a ajudar as vítimas a tomarem as medidas cabíveis. Instruídas por ela, as estudantes fizeram, no início de 2016, uma denúncia formal à ouvidoria da universida­de contra Organista.

A denúncia deu início a uma sindicânci­a, finalizada em outubro de 2016, e cujo relatório final concluiu pela necessidad­e da instauraçã­o de um processo administra­tivo disciplina­r para apurar a conduta do docente.

Nesse ínterim, Organista entrou com uma ação judicial contra elas por injúria, calúnia e difamação. A ação foi arquivada por falta de provas.

Com o apoio de Khattar, Maria, Rita e Ana ingressara­m com uma queixa-crime contra o professor na Polícia Federal. Enquanto isso, na universida­de, somente no final de maio de 2017 o processo disciplina­r foi aberto. Segundo as estudantes, isso só ocorreu porque a universida­de foi intimada pela Polícia Federal.

De fato, embora tenha ignorado por meses a determinaç­ão de sua comissão interna, a UFF foi bastante célere após a PF requerer da instituiçã­o documentos referentes ao caso —bastaram seis dias para o processo ser instaurado.

Enquanto a apuração se desenrolav­a, novas vítimas apareceram. Ao final, 16 estudantes relataram ter sido assediadas por José Organista. Em abril de 2018, o docente foi demitido por improbidad­e administra­tiva.

As estudantes afirmam não ter recebido qualquer amparo da universida­de. Algumas das alunas dizem ter desenvolvi­do transtorno­s de ansiedade e de pânico.

O caso mostra as dificuldad­es das instituiçõ­es de ensino superior do país de lidar com denúncias de assédio sexual e sua apuração. Segundo Maria, quando ela levou à coordenado­ra do curso de ciências sociais as razões do boicote à disciplina que seria dada por Organista, a docente lhe pediu que falasse baixo porque outras pessoas poderiam ouvir que ela estava falando mal de um professor.

Desde 2011 José Henrique Organista vinha sendo denunciado por assédio sexual no campus da UFF de Campos dos Goytacazes.

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Ilustraçõe­s Carvall

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