Professores são demitidos após agressão sexual
Um dos docentes trabalhava na UFF e outros dois na UFG; eles negam as acusações das alunas
Três professores de universidades federais foram demitidos em 2018 após serem acusados por alunas de assédio sexual e estupro, como resultado de longos processos internos nas instituições de ensino. A Folha ouviu de estudantes, que preferiram não se identificar, relatos de abuso e intimidação. Os docentes desligados refutam as acusações.
Três professores de universidades federais brasileiras foram demitidos após denúncias de alunas por assédio sexual e estupro e longos processos administrativos dentro das instituições.
A Folha conversou com sete alunas que dizem ter sofrido assédio e preferiram não se identificar. Os relatos delas incluem envio de elogios, músicas românticas e pedido de casamento por WhatsApp, convites para jantar, pedidos de encontro na casa do docente, tentativas de beijo e toques íntimos à força e boicote de uma classe inteira a aulas.
Em dois dos casos, as estudantes afirmam que o assédio aconteceu durante viagens para participação em congresso científico. Duas outras alunas acusaram um mesmo professor de estupro.
A primeira das três demissões ocorreu na UFF (Universidade Federal Fluminense) de Campos dos Goytacazes, no Rio. Em abril de 2018, o professor de ciência política José Henrique Organista foi demitido, acusado de assediar 16 alunas.
No segundo caso, o professor de engenharia agronômica Américo José dos Santos Reis foi acusado por quatro estudantes da UFG (Universidade Federal de Goiás), do campus de Goiânia, de praticar assédio sexual contra elas. Três delas afirmam que foram assediadas por ele durante viagens a canaviais. Ele foi demitido em junho de 2018.
Por último, o professor de medicina veterinária Rogério Elias Rabelo foi demitido em julho da UFG, campus de Jataí, após apuração interna da universidade concluir que ele estuprou duas estudantes. Rabelo também foi denunciado no Ministério Público Federal e na Delegacia Especializada da Mulher.
Por meio do advogado Manoel Oliveira, José Henrique Organista nega que tenha cometido os assédios, classifica as denúncias de levianas e afirma que sua demissão da UFF “obedeceu a um critério político-partidário, já que ele jamais se alinhou com a direção do campus da UFF em Campos dos Goytacazes e denunciou fraudes, sobretudo, nas eleições internas”.
Seu advogado cita também sentença judicial que desconsiderou a autoria do crime de assédio sexual. Segundo decisão da juíza, a conduta de Organista, embora “reprovável, inconsequente e inconveniente”, não configuraria assédio sexual, visto que “não houve, em momento algum, ameaças de que as alunas seriam prejudicadas de alguma forma em suas vidas acadêmicas caso não correspondessem à intenções do docente”.
Américo José dos Santos Reis, por meio de seu advogado, negou que tenha assediado sexualmente alunas da UFG e as acusa de estarem perseguindo-o. Segundo o advogado Ezequiel de Moraes, “as supostas vítimas se conheciam e todas ‘criaram’ motivos para retaliar o referido professor em decorrência da não apresentação, pelas mesmas, de relatórios e de apresentação de trabalhos incompletos”.
Procurado pela reportagem por mais de um mês, Rogério Elias Rabelo não respondeu aos pedidos de entrevista. A UFG também não quis comentar o caso.
Uma das poucas pesquisas sobre o assunto no âmbito universitário, um estudo do Instituto Avon de 2015 mostrou que 56% de alunas de graduação e pós disseram já ter sofrido assédio de professores, estudantes e técnicos administrativos.
Em 2018, a Unicamp começou a implementar ações contra assédio e violência sexual. A iniciativa é rara no país e comum nas universidades americanas.
Leia ao lado os detalhes dos três casos de demissão após denúncias de assédio e violência sexual em universidades brasileiras. sua ausência e disse que, caso ela quisesse fazer a disciplina, ele abonaria suas faltas.
Ana (nome fictício) também afirma que no mesmo dia em que pediu seu telefone, o professor enviou uma mensagem. Segundo ela, Organista elogiou sua aparência e perguntou se ela tinha namorado.
Ela conta que dias depois ele a chamou para sair. Diante da insistência do professor, Ana, que é lésbica, imaginou que seria melhor deixar clara a sua orientação sexual.
Deu-se o oposto. A partir daí, segundo ela, o professor passou a enviar mensagens de cunho sexual. Organista perguntava quem era a namorada da estudante e pedia para sair com as duas. Também convidava a estudante para visitá-lo em sua casa.
Maria, Rita e Ana afirmam que foram assediadas por José Henrique Organista durante cerca de um ano e meio.
No 2º semestre de 2015, quando a turma teria novamente uma matéria com o docente, as coisas começaram a mudar. Os alunos, tanto meninos e meninas, decidiram não se matricular na disciplina em protesto.
A advogada Semirames Khattar, à época professora substituta na UFF, soube dos relatos e se dispôs a ajudar as vítimas a tomarem as medidas cabíveis. Instruídas por ela, as estudantes fizeram, no início de 2016, uma denúncia formal à ouvidoria da universidade contra Organista.
A denúncia deu início a uma sindicância, finalizada em outubro de 2016, e cujo relatório final concluiu pela necessidade da instauração de um processo administrativo disciplinar para apurar a conduta do docente.
Nesse ínterim, Organista entrou com uma ação judicial contra elas por injúria, calúnia e difamação. A ação foi arquivada por falta de provas.
Com o apoio de Khattar, Maria, Rita e Ana ingressaram com uma queixa-crime contra o professor na Polícia Federal. Enquanto isso, na universidade, somente no final de maio de 2017 o processo disciplinar foi aberto. Segundo as estudantes, isso só ocorreu porque a universidade foi intimada pela Polícia Federal.
De fato, embora tenha ignorado por meses a determinação de sua comissão interna, a UFF foi bastante célere após a PF requerer da instituição documentos referentes ao caso —bastaram seis dias para o processo ser instaurado.
Enquanto a apuração se desenrolava, novas vítimas apareceram. Ao final, 16 estudantes relataram ter sido assediadas por José Organista. Em abril de 2018, o docente foi demitido por improbidade administrativa.
As estudantes afirmam não ter recebido qualquer amparo da universidade. Algumas das alunas dizem ter desenvolvido transtornos de ansiedade e de pânico.
O caso mostra as dificuldades das instituições de ensino superior do país de lidar com denúncias de assédio sexual e sua apuração. Segundo Maria, quando ela levou à coordenadora do curso de ciências sociais as razões do boicote à disciplina que seria dada por Organista, a docente lhe pediu que falasse baixo porque outras pessoas poderiam ouvir que ela estava falando mal de um professor.
Desde 2011 José Henrique Organista vinha sendo denunciado por assédio sexual no campus da UFF de Campos dos Goytacazes.