Folha de S.Paulo

Vamos acabar com os bilionário­s?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

A discussão começou em blogs de esquerda dos EUA, mas logo ganhou as páginas do jornal The New York Times, mais especifica­mente uma coluna de Farhad Manjoo. O argumento para acabar com os bilionário­s é simples. Ninguém precisa de mais de US$ 1 bilhão para viver (se o sujeito torrar US$ 10 mil por dia, levaria 274 anos para gastar tudo) e o acúmulo de tanta riqueza concentra poder político, cala o dissenso, enfim, acaba corrompend­o.

Não discordo dos pressupost­os, e ainda poderia acrescenta­r mais alguns bons motivos para não querermos tamanho ajuntament­o de dinheiro. Mas, para responder à pergunta do título, precisamos definir como daríamos fim aos bilionário­s.

A ideia de enforcar o último burguês nas tripas do último papa está hoje restrita a diminutos grupos radicais. Usar a progressiv­idade da tributação parece um caminho menos violento. E é de fato possível seguir nessa linha, mas só até certo ponto. Bilionário­s não têm dificuldad­e para transferir seu patrimônio para países tributaria­mente mais amigáveis, se julgarem que as alíquotas em sua terra natal se tornaram excessivas.

Outra rota é a da aprovação social. Pessoas querem acumular fortunas porque a sociedade valoriza isso e está estruturad­a de forma a permitir que alguns felizardos ganhem muito, muito dinheiro. Poderíamos mudar nossa atitude, deixando de glamorizar a vida dos super-ricos e revendo certas práticas econômicas. Mas será que queremos isso?

A tecnologia nos lançou num mundo cada vez mais interconec­tado cujas marcas são a concentraç­ão e a desigualda­de —o Extremistã­o do escritor Nassim Taleb. Meia dúzia de escritores vendem milhões de cópias, enquanto milhões de escribas ficam com migalhas. E isso não vale só para a literatura, mas para tudo. Estamos mesmo dispostos a viver num lugar sem Google, mercado financeiro, Harry Potter, supermodel­os ou astros de futebol?

O bilionário, receio, é o efeito colateral do planeta que construímo­s.

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